TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
483 acórdão n.º 333/18 Isto é, estando preenchidos os pressupostos legais objetivamente definidos, o juiz não precisa de indicar fundamentação adicional para proferir a ordem de recolha de amostra ADN ao arguido. Só a dispensa exige fundamentação adicional, designadamente para demonstrar a desnecessidade ou a inviabilidade da recolha. É, portanto, a conformidade constitucional desta delimitação entre regra e exceção estabelecida pelo legislador que importa agora verificar. Desde logo à luz da configuração das reservas de juiz como concretiza- ções dos direitos fundamentais, sendo inquestionável que à luz da Constituição tais reservas visam assegurar uma proteção adicional ou reforçada dos direitos fundamentais. Na verdade, sendo incontroverso que o princípio da proporcionalidade ocupa lugar central na avalia- ção dos requisitos materiais exigidos nas restrições de direitos fundamentais – de acordo com o n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, tais restrições devem «limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos» –, também a previsão normativa do decretamento de medidas restritivas de direitos fundamentais pelo juiz deve obedecer aos testes em que se desdobra aquele princípio. Quando está em causa a moldura normativa de atos judiciais restritivos de direitos fundamentais o princípio da proporcionalidade oferece um campo de aplicação privilegiado, estabelecendo as fronteiras do poder de controlo confiado ao juiz dentro do padrão decisório de autorização necessariamente contido na lei. Constitui entendimento estabilizado na doutrina, que a razão de ser da transferência legal das decisões mais graves para a competência do juiz reside no facto de a lei esperar deste último uma atuação segundo o modo de pensar específico de um juiz (« spezifisch richterlicher Denkweise », na designação do Tribunal Consti- tucional alemão), mesmo quando estão em causa atos que não revistam natureza estritamente jurisdicional. Apesar de não ser possível precisar concretamente o que deva entender-se por modo de pensar específico do juiz, é incontroverso que, na sua apreciação, este nunca deverá perder de vista o princípio da adequação entre meios e fins bem como a proibição do excesso. E sendo assim, o que interessa verificar é se a substituição – por via de regra – da ponderação do juiz pelo critério do legislador acautela devidamente os direitos fundamentais do visado. 23. A questão coloca-se, portanto, em saber se a regra da recolha de amostras de ADN a condenados em pena de prisão igual ou superior a 3 anos (ainda que substituída), respeita o princípio da proporcionalidade. Partindo do interesse público prosseguido pela norma que consiste na criação de uma base de dados de perfis de ADN que sirva finalidades de investigação criminal (artigo 1.º, n.º 2, da LBDADN), importa começar por sublinhar que as finalidades específicas do processo penal, designadamente na realização da jus- tiça e prossecução da verdade material, são interesses constitucionalmente protegidos. O artigo 202.º, n.º 2, da Constituição estabelece que compete aos tribunais «assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e reprimir a violação da legalidade democrática» e, por sua vez, o artigo 219.º, n.º 2, da Lei Fundamental atribui competência ao Ministério Público para participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania e exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática. É neste contexto que se insere a análise de ADN e a sua inserção na Base de Dados de Perfis de ADN. O fim da recolha de ADN é, efetivamente, facilitar a investigação de crimes com autor desconhecido que tenham sido cometidos no passado ou que venham a ser cometidos ainda num futuro relativamente próximo (necessariamente dentro do prazo de manutenção da amostra na base de dados), podendo identificar-se neste ponto também alguns objetivos de prevenção penal, face à identifi- cação das taxas de recidiva relacionadas com a prática de determinados crimes. Visa, portanto, a redução do número de investigações criminais não resolvidas, permitindo não só identificar os culpados, como afastar os inocentes da mira dos atos de investigação criminal, bem como proteger os direitos e liberdades fundamen- tais das vítimas. Acautela-se simultaneamente alguma persuasão dissuasiva da prática de futuros crimes por parte de agentes que sabem ter o seu perfil de ADN constante de uma base de dados acessível para efeitos de investigação criminal. De resto, a base de dados nacional não pode ser vista como uma fonte isolada de informação policial, antes se integrando numa rede internacional de intercâmbio de informações para combate à criminalidade
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