TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
482 a considerar e, nessa medida, a enunciar em função dos elementos oferecidos pelos autos» (cfr. Maria de Fátima Mata-Mouros, Juiz das Liberdades , Almedina, 2011, pp. 82-83). Entre as medidas não genuinamente ( unechte ) processuais de ingerência em direitos fundamentais assim caracterizadas pelo professor alemão por visarem um fim de natureza essencialmente policial é possível distinguir três grupos. Um primeiro grupo, integrado por medidas provisórias que prosseguem finalidades que por regra são acauteladas pelo Direito Administrativo, antecipando resultados que só a final são decididos de forma definitiva. É o caso da apreen- são da licença de condução, o internamento em unidade hospitalar por anomalia psíquica ou a suspensão do exercício de profissão, constituindo medidas que, estando necessariamente relacionadas com o fim do processo, em vez de promoverem o seu fim, antecipam-no. Um segundo grupo de medidas que também não visam propriamente permitir o prosseguimento do processo, antes prevenir perigos que não se confun- dem com o objeto daquele procedimento criminal, onde se integra, por exemplo, a prisão preventiva com fundamento em perigo de continuação da atividade criminosa. Finalmente, um terceiro grupo de medidas processuais não genuínas que traduzem ingerências em direitos fundamentais é constituído pela identificação de pessoas para efeitos de serviço de informações da polícia criminal ( ibidem, nota 194; por referência a Knut Amelung, “ Zur dogmatischen Einordnung strafprozessualer Grundrechtseingriffe ”). A medida contemplada na norma em análise insere-se neste último grupo, o que tem implicações na fundamentação exigida ao juiz para a sua determinação como se explica de seguida. 21. Sobre a recolha de amostras em processo-crime – medida genuinamente processual que traduz, pois, uma dimensão normativa diferente da que constitui o objeto do presente recurso – rege o n.º 1 do artigo 8.º, dispondo que é realizada a pedido do arguido ou ordenada oficiosamente, ou a requerimento, por des- pacho do juiz, a partir da constituição de arguido, ao abrigo do disposto no artigo 172.º do CPP (artigo 8.º, n.º 1, da LBDADN). Ponderados os interesses em presença em cada processo, designadamente a relevância para a descoberta da verdade e o grau de ingerência nos direitos fundamentais do arguido que a recolha da amostra de ADN representa – e considerando todos os aspetos pertinentes a uma tal ponderação, como seja, por exemplo a situação de saúde do visado ou a sua idade – o juiz decide, necessariamente por despacho fundamentado, sobre a respetiva necessidade e adequação, garantindo a justa medida em cada caso concreto, sem estar limitado por um pressuposto formal alusivo ao tipo de crime em investigação, ou moldura penal prevista para a sua punição. Diferentemente, para cumprir a previsão da medida não genuinamente processual contida na norma em análise o juiz limita-se a verificar se estão reunidos os pressupostos formais indicados pelo legislador e que consistem na ausência de recolha anterior no mesmo processo, na condenação por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, e no trânsito em julgado daquela condenação. Desta forma, e diferentemente do que se passa na medida genuinamente processual prevista no n.º 1 do artigo 8.º, na norma em análise existe uma dimensão que se traduz na atribuição ao juiz de uma mera opera- ção de associação de efeitos definidos pelo legislador à condenação criminal em determinada pena de prisão. 22. Assegurada que está, pelo legislador, a competência judicial para ordenar a recolha das amostras de ADN aos condenados bem como para determinar a subsequente inserção na base de dados de perfis de ADN, e definidos os pressupostos legais da sua determinação, a questão que a norma em causa pode colocar é a de saber se a reserva de juiz ali prevista constitui suficiente garantia dos direitos fundamentais afetados. E isto porque o juiz deve, por via de regra, determinar a referida recolha de amostra de ADN do arguido, verificados os pressupostos formais indicados na norma – que, no essencial se reconduzem à sua condenação criminal em pena igual ou superior a 3 anos de prisão, transitada em julgado, em processo em que não tenha sido anteriormente determinada a recolha de amostra de ADN. Só excecionalmente poderá dispensá-la, con- forme previsto no n.º 6 do artigo 8.º da LBDADN. Como salienta o juiz a quo «a possibilidade de dispensa é que terá que ser determinada por despacho fundamentado, não a recolha».
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