TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
481 acórdão n.º 333/18 de 18 de agosto, entretanto revogada, e o artigo 11.º, n.º 1, alínea a) , da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, hoje em vigor]. Assim, o período de armazenamento tem em conta a natureza e gravidade dos crimes cometidos, nos termos referidos no acórdão Aycaguer v. França . O regime nacional não desconsidera assim, prima facie , a jurisprudência do TEDH estabelecida nos Acórdãos S. e Marper v. Reino Unido , W. v. Países Baixos, Peruzzo e Martens v. Alemanha , ou Aycaguer v. França. No entanto, é preciso uma análise mais aprofundada da questão para perceber se o justo equilíbrio entre os interesses públicos e privados concorrentes a que essa jurisprudência se refere é respeitado. 19. A norma em análise no presente processo coloca uma questão particular. Ao prever a recolha de amostras em condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos (ainda que esta tenha sido substituída), a ordenar por despacho do juiz de julgamento, após trânsito em julgado da condenação, o legislador instituiu como regra a referida determinação, prescindindo, na interpretação do tribunal a quo, de uma análise casuística da pertinência em sujeitar o arguido a recolha ADN e subsequente inserção na respetiva Base de Dados. Tratando-se de uma norma que prevê a colheita coativa de vestígios biológicos de um arguido para determinação do seu perfil genético, não existem dúvidas sobre o seu carácter restritivo de direitos funda- mentais, nomeadamente o direito à proteção da reserva da intimidade, dos dados pessoais e da dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano. 20. A competência do juiz exigida na norma para ordenar a recolha da amostra de ADN, contra a von- tade do visado, encontra, portanto, justificação na circunstância de se tratar de um ato restritivo de direitos fundamentais, não se alicerçando embora diretamente nas garantias do processo criminal, designadamente no parâmetro constante do artigo 32.º, n.º 4, da Constituição (que refere que toda a instrução é da compe- tência de um juiz). Este facto constitui mais uma diferença relativamente às normas que estavam em causa nos Acórdãos n. os 155/07 e 228/07. A recolha de análise de ADN em causa na norma ora em juízo não se destina – pelo menos de modo imediato –, a produzir prova no processo, mas sim a ser inserida na Base de Dados de Perfis de ADN tendo em vista a facilitação da investigação de outros crimes em que não foi iden- tificado o autor (artigo 18.º, n.º 3, da LBDADN). Trata-se, por conseguinte, de uma norma que estabelece uma reserva de intervenção judicial que se traduz na atribuição de competência ao juiz para a realização de ato não processual, distinguindo-se, neste aspecto, das normas que estabelecem uma reserva de juiz no inqué- rito (ou na instrução) para a realização de atos processuais. Sendo aceite, em nome do interesse público, que no âmbito de um processo penal podem ter lugar medidas coercitivas que restringem a esfera jurídica individual, é possível distinguir, de entre elas, as medi- das que têm uma finalidade processual, traduzindo-se «na garantia do fim do processo, isto é, da execução da decisão final, ou na segurança dos meios processuais, isto é, das provas necessárias para a prossecução do processo» de outras medidas com objetivo diverso (cfr. Manuel Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal , vol. II, 1981, reimpressão da Universidade Católica autorizada pelo autor, p. 360). Uma tal diferenciação evidencia a relação de dependência existente entre a fundamentação que justifica a determinação no âmbito de um processo penal de uma medida restritiva de direitos e o objetivo a que se destina a sua implementação. Esta distinção entre medidas exclusivamente processuais e medidas processuais penais com outras fun- ções («medidas de dupla função», na designação de Dá Mesquita, «Repressão Criminal e Iniciativa Própria dos Órgãos de Polícia Criminal», in I Congresso de Processo Penal, Memórias, Coimbra, Almedina, 2005, pp. 81-82) foi especialmente desenvolvida na doutrina alemã por Amelung. Assentando na identificação do ver- dadeiro objetivo de cada ato a realizar no inquérito, «permite-nos apreender como a fundamentação que há de imperar na decretação de uma medida restritiva de direitos fundamentais depende do objetivo a que sua implementação se destina. (…) Assim, a apreensão provisória de uma carta de condução e a determinação de prisão preventiva com fundamento em perigo de fuga hão de assentar, necessariamente, em ordens de razões substancialmente diferentes, apenas na última sendo possível identificar finalidades de ordem processual
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