TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

480 normativo onde sobressaía a carência de uma norma a atribuir a reserva judicial da determinação ou auto- rização de ingerências e intervenções corporais probatórias sem o consentimento do afetado. O Tribunal Constitucional, nos citados arestos expressou o entendimento de que a Constituição exigia a intervenção de um juiz ( i. e. , que estava sob reserva de juiz) para ordenar a recolha coativa de bioamostra para determinação de perfil genético. Ora, esta questão da exigência de intervenção do juiz de instrução em recolhas de ADN sem consenti- mento viria a ser resolvida pela Reforma Penal de 2007, através da alteração ao n.º 2 do artigo 172.º do CPP (pelo artigo 1.º da Lei n.º 48/2007, de 4 de setembro), ao determinar expressamente a aplicação neste caso do disposto no artigo 154.º, n.º 2, do CPP. A partir desta alteração, em conjunto com a operada sobre as e alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 269.º do CPP, ficou esclarecido que as perícias e exames que contendes- sem com características físicas ou psíquicas das pessoas, a que o visado não desse o consentimento, eram da competência exclusiva ao juiz de instrução criminal, respeitando assim a reserva do juiz constitucionalmente estabelecida no artigo 32.º, n.º 4, da Constituição. Com estas alterações ao CPP ficou, portanto, assegurada a intervenção do juiz na determinação da recolha de ADN enquanto medida de instrução criminal. A Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro (em conjugação com a Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto, que esta- belece o regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses) veio completar aquele regime, ao regular a matéria relacionada com a criação da base de dados de perfis de ADN, os critérios de inserção de perfis, os pressupostos exigidos para que se possam armazenar esses dados, bem como a permissão da inter- conexão e cruzamento de perfis e dados com os constantes dos ficheiros da base (a forma como poderiam ser cruzados esses dados entre si e, além disso, de que forma um perfil de ADN obtido de uma amostra referência de um determinado processo criminal poderia ser comparado com os já existentes na base de dados). De acordo com o disposto no artigo 8.º, n.º 2, daquela Lei – a norma objeto de análise no presente recurso –, a recolha de amostras em condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou supe- rior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, é ordenada por despacho do juiz de julgamento, e após trânsito em julgado da condenação. De acordo com a jurisprudência aludida do Tribunal, não existe desconformidade com a Constituição na restrição de direitos, liberdades e garantias configurada pela recolha de material biológico para análise de ADN sustentada em lei de carácter geral e abstrato emanada da Assembleia da República (sem efeito retroa- tivo), uma vez que visa a salvaguardada de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, sendo necessária e adequada ao objetivo prosseguido (os fins próprios do processo penal) e não diminui a extensão e alcance do conteúdo essencial dos direitos fundamentais afetados. Ademais, e apesar de não se reportar a uma medida de instrução criminal, a norma atribui a um juiz a decisão de recolha de ADN sem consentimento do condenado em pena de prisão igual ou superior a 3 anos. Desta forma, acautela uma tutela reforçada aos direitos atingidos pela via da intervenção judicial e da habilitação legal específica, cumprindo, pois, as exigências constitucionais identificadas na jurisprudência do Tribunal. A questão colocada no presente processo é, por isso, distinta pelo que a fundamentação dos referidos arestos, embora sirva de enquadramento ao problema de constitucionalidade, não é aplicável aqui sem mais. 18. Tendo presente a jurisprudência do TEDH, é de referir que a legislação portuguesa respeita a proi- bição da «natureza geral e indiscriminada do poder de retenção» decorrente do acórdão S. e Marper v. Reino Unido , pois estabelece a obrigatoriedade da recolha de uma amostra do perfil genético do arguido apenas na sequência de condenação por crime em pena igual ou superior a três anos de prisão, ordenada por despacho do juiz de julgamento, e após trânsito em julgado da condenação. Por outro lado, a retenção dos perfis em Portugal apenas está prevista até à data em que se proceda ao cancelamento definitivo das respetivas decisões no registo criminal – o que significa o prazo de 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos, ou superior a 8 anos, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime, nos termos da Lei da Identificação Criminal [cfr. o artigo 15.º, n.º 1, alínea a) , da Lei n.º 57/98,

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