TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
477 acórdão n.º 333/18 da adequação, da exigibilidade e da justa medida), não vislumbrando que não constitua um meio adequado para a prossecução dos fins visados ou que não seja necessária para alcançar esses fins ou que seja excessiva. A fundamentação do acórdão parte da identificação da restrição de direitos fundamentais em causa, i.e. a colheita coativa de material biológico, mais concretamente de saliva (através da utilização da técnica da zaragatoa bucal), e do objetivo prosseguido, i. e. a determinação do perfil genético do arguido em termos de possibilitar a comparação com outros vestígios biológicos encontrados no local do crime. Acaba por concluir que não há razão para censura do ponto de vista jurídico-constitucional, por insuficiente densificação da habilitação legal para as restrições de direitos fundamentais implicadas na norma, i.e. a colheita coativa de material biológico, identificando as normas conjugadas dos artigos 172.º do CPP e da Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto, apesar de ser possível e desejável uma regulamentação genérica mais desenvolvida. Na verdade, pode ler-se ainda no acórdão, no ponto 12.2.3.2., que: «(…) tratando-se da mera fixação de um perfil genético na medida do estritamente necessário, adequado e indispensável para comparação com vestígios colhidos no local do crime, como se refere explicitamente na decisão que determina a dita recolha coativa, fica à partida delimitado o âmbito do exame e excluída qualquer possibilidade legítima de tratamento do material recolhido em termos que permita aceder a informação sensível que exceda a absolutamente indispensável ao fim visado, ou seja, à comparabilidade referida. É que, sendo este, e apenas este, o objetivo da recolha, o âmbito da análise está necessariamente restringido à utilização daqueles marcadores de ADN que sejam absolutamente necessários à identificação do seu titular, isto é, aos que, segundo os conhecimentos cien- tíficos existentes, permitem a identificação mas não permitem a obtenção de informação de saúde ou de caracterís- ticas hereditárias específicas do indivíduo; ou seja, a análise tem de se restringir ao chamado ADN não codificante.» Não obstante, entendeu-se a necessidade de intervenção do juiz nestes casos, já que o artigo 32.º, n.º 4, da Constituição o impõe em todos os atos em que haja de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos. Por consubstanciar uma intervenção significativa nos direitos fundamentais é imperativa a intervenção do juiz de instrução, o que determinou que no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 155/07, fosse julgada incons- titucional, por violação do disposto nos artigos 25.º 26.º e 32.º, n.º 4, da Constituição, a norma constante do artigo 172.º, n.º 1, do CPP, quando interpretada no sentido de possibilitar, sem autorização do juiz, a colheita coativa de vestígios biológicos de um arguido para determinação do seu perfil genético quando este último tenha manifestado a sua expressa recusa em colaborar ou permitir tal colheita. O Acórdão n.º 228/07 reiterou esta jurisprudência. iii) A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos neste âmbito 13. A recolha de dados pessoais, em especial de amostras biológicas para a extração de perfis de ADN, pelas autoridades públicas foi também objeto de análise pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direi- tos Humanos (TEDH). O Tribunal constatou que tanto a obtenção de material celular por meio de uma zaragatoa bocal, a retenção desse material ou a determinação de um perfil de ADN com essa base constituem uma interferência no direito ao respeito pela vida privada [cfr. o acórdão Van der Velden v. Países Baixos (n.º 29514/05), de 7 de dezembro de 2006]. Tal interferência colide com o artigo 8.º da Convenção Euro- peia dos Direitos Humanos (CEDH), que garante o direito ao respeito pela vida privada e familiar, a menos que possa ser justificada, de acordo com o n.º 2 do mesmo preceito. Para tal é necessário que tal interferência esteja «de acordo com a lei» e seja necessária «numa sociedade democrática», para a prossecução de um ou mais dos objetivos legítimos nela enumerados («a segurança nacional, (…) a segurança pública, (…) o bem- -estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infrações penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros»). Efetivamente, de acordo com o TEDH, «O mero armazenamento de dados relativos à vida privada de uma pessoa equivale a uma interferência na aceção do artigo 8.º (…) O uso subsequente das informações
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=