TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

475 acórdão n.º 333/18 da sua saúde, não deixa de constituir uma “intromissão para além das fronteiras delimitadas pela pele ou pelos mús- culos” (a expressão é de Costa Andrade, Direito Penal Médico, 2004, p. 70), uma entrada no interior do corpo do arguido e, portanto, não pode deixar de ser compreendida como uma invasão da sua integridade física, abrangida pelo âmbito constitucionalmente protegido do artigo 25.º da Constituição. Questão diversa, que oportunamente trataremos, é a de saber se, considerando, designadamente, a sua intensi- dade e a finalidade a que se destina, ela não estará constitucionalmente legitimada». De seguida, prosseguindo na identificação dos direitos afetados pela norma que prevê a possibilidade de determinação da realização coativa de um exame, contra a vontade do arguido e sob ameaça do recurso à força física, o Tribunal concluiu que uma tal norma contende ainda com a própria liberdade geral de atuação (cfr. Acórdão n.º 155/07, ponto 12.1.2.). Retomando a jurisprudência constante do Acórdão n.º 368/02, pode ler-se no Acórdão: «“há que ter presente que, após a revisão constitucional de 1997, o artigo 26.º n.º 1, da Constituição passou a consagrar expressamente o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, ‘englobando a autonomia indi- vidual e a autodeterminação e assegurando a cada um a liberdade de traçar o seu próprio plano de vida’ (Acór- dão n.º 288/98, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 40.º vol., pág. 61), o que implica o reconhecimento da liberdade geral de ação, sendo certo que, nesta sua dimensão, o ‘direito ao desenvolvimento da personalidade não protege, nomeadamente, apenas a liberdade de atuação, mas igualmente a liberdade de não atuar (não tutela, neste sentido, apenas a atividade, mas igualmente a passividade, com uma garantia não unidimensional de atuação, mas pluridimensional, de liberdade de comportamento, enquanto decorrente da ideia de desenvolvimento da persona- lidade’ (Paulo Mota Pinto, ‘O Direito ao Livre Desenvolvimento da Personalidade’, in Portugal – Brasil, ano 2000 , Studia Juridica – Boletim da Faculdade de Direito , Universidade de Coimbra, 1999, págs. 149 e segs.)”. Fica, porém, para já, mais uma vez em aberto a questão de saber se, atento, por um lado, o grau de intrusivi- dade – que é ‘mínimo’, nas palavras de Gomes Canotilho (cfr. pág. 14 do parecer junto aos autos) – e, por outro, a finalidade da restrição, não estará a mesma constitucionalmente justificada». Ainda em sede de análise dos parâmetros invocados, o Tribunal concluiu que a norma que prevê a pos- sibilidade de determinação da realização coativa de um exame, contra a vontade do arguido e sob ameaça do recurso à força física conflitua igualmente com o direito à reserva da vida privada, constitucionalmente tutelado pelo artigo 26.º da Constituição, considerando que a realização coativa de um exame destinado à recolha de saliva para posterior análise genética, contra a vontade do arguido e sob ameaça do recurso à força física, consubstanciaria uma «intromissão não autorizada na esfera privada do arguido» (cfr. Acórdão n.º 155/07, ponto 12.1.3.). Finalmente, anotando a íntima ligação com o direito à reserva da intimidade da vida privada, «do direito à autodeterminação informacional, que uma parte da doutrina faz decorrer dos artigos 26.º e 35.º da Constituição (…) e que, em síntese, tem sido definido como o direito de cada cidadão a “ser ele próprio a decidir quando e dentro de que limites os seus dados pessoais podem ser revelados” (Gössel, ob. cit. , p. 432)», o Tribunal considerou que «o comportamento em causa contende, também nesta vertente, com direitos, liberdades e garantias» (cfr. Acórdão n.º 155/07, ponto 12.1.4.). Afirmando, assim, a restrição de determinados direitos, liberdades e garantias fundamentais pela norma cuja constitucionalidade vinha questionada, o Tribunal não concluiu, porém, pela incompatibilidade dessa restrição com a Constituição. Ao equacionar as condições de ingerência corporal em que se traduz a recolha de material biológico do corpo (cabelo, saliva, sangue) – com vista à determinação do perfil genético por análise molecular –, como modos de compressão (ainda que não muito significativos) dos direitos à inte- gridade pessoal do arguido, à liberdade geral de atuação (enquanto expressão do livre desenvolvimento da personalidade) e à privacidade e autodeterminação informacional, o Tribunal empreendeu, de seguida, uma

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