TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

470 9.ª Conforme facilmente se apreende, estamos aqui perante questões axiológicas e fundamentais tanto de direito penal como de direito constitucional, cuja relevância no processo e a dignidade jurídica são substanciais, pelo que, tratando-se de questões de direito constitucional, exige-se que a sua apreciação seja efectuada em pri- meira linha pelo Supremo Tribunal de Justiça e só posteriormente, pelo Tribunal Constitucional, cujo recurso é de última linha, ou seja, só é admissível o recurso para o Tribunal Constitucional quando todos os outros tribunais da hierarquia judiciária tenham tomado conhecimento da questão de inconstitucionalidade suscitada no processo. 10.ª A não admissão do recurso não só viola gravemente as garantias de defesa do arguido como cria uma escuridão no sistema jurídico quanto a questões de particular importância, com reflexo constitucional e ao novel da segurança e previsibilidade jurídicas. 11.ª Versando o recurso sobre questões jurídicas, e não sobre questões de facto, e revelando essas questões uma importância jurídica e social consideráveis, entende-se, com o devido respeito, merecerem as mesmas uma análise e decisão do Supremo Tribunal de Justiça, termos em que deve o recurso ser admitido. Por outro lado, 12.ª Não se poderá deixar de referir que o arguido no seu recurso teve o cuidado de fundamentar legalmente a admissibilidade do seu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo o tribunal quando proferiu o despacho de não admissão do recurso, com o devido respeito, feito tábua rasa desses argumentos. Pois, 13.ª Limitou-se a referir a regra genérica artigo 400.º Código de Processo Penal, não tenho apreciado a admis- sibilidade do recurso ao abrigo das normas do artigo 672.º, n.º 1, als. a) e b) , do Código de Processo Civil, apesar do arguido as expressamente ter indicado na questão prévia do recurso. 14.ª O facto de não se aplicar subsidiariamente o direito civil leva a que a norma do artigo 400.º do Código de Processo Penal seja considerada inconstitucional nos termos do artigo 20.º da Constituição da República Por- tuguesa, pelo que deve o tribunal julgar a norma inconstitucional. 15.ª A recolha de ADN constitui uma violação grave do direito à integridade física e reserva do património genético do arguido, pondo claramente em crise a dignidade humana do arguido. 16.ª No art. 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa a identidade pessoal é vista num primeiro plano como o património genético próprio de cada indivíduo, o qual jamais pode ser afetado ou violado, pelo que, é inequívoco que o art. 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro, é inconstitucional por violação do supra referido artigo da CRP, atentando gravemente contra a dignidade da pessoa humana, termos em que, desde já, se requer que tal norma seja declarada inconstitucional. 17.ª No caso concreto dos autos a recolha de ADN ainda se considera mais gravosa, porquanto a recolha das amostras de ADN se destina a construir uma base de dados para fins de investigação criminal e não a instruir um concreto processo, termos em que estamos aqui perante uma gravíssima violação da dignidade humana do arguido, uma vez que as razões que determinam a recolha do ADN são difusas e não fundamentadas, meramente para construir uma base de dados e não por qualquer outra razão atendível, pelo que mais uma vez se reitera estarmos perante uma verdadeira e própria violação da dignidade da pessoa humana, violação essa que ofende o conteúdo mínimo do direito e não se limita ao necessário para acautelar outros direitos. Nestes termos, 18.ª Será de concluir pela inconstitucionalidade do preceito legal que manda extrair ADN, revogando-se assim a decisão na parte em que determina a recolha da amostra de ADN ao arguido”. 4. Em contra-alegações, o Ministério Público sustentou a falta de condições para ser apreciada pelo Tribunal Constitucional a primeira questão de constitucionalidade, uma vez que não respeita o requisito, definido pelo artigo 72.º, n.º 2, da LTC, da prévia suscitação perante o tribunal a quo, adiantando, de todo o modo ainda que, a conhecer-se desta questão, não deverá merecer acolhimento, na linha da jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional relativamente à norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f ) , do CPP. Analisando a segunda questão, conclui pela procedência do recurso, sustentando que deve ser jul- gada materialmente inconstitucional «a norma do artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro, quando interpretada no sentido de a recolha de amostra com vista à obtenção de perfis de ADN, para fins de investigação criminal, se dever considerar como decorrente automaticamente da aprovação de sentença

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