TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
46 a tarifa social na água aos bombeiros da RAM – suportando o respetivo custo – e exclusivamente em razão dessa qualidade. Trata-se, pois, igualmente, de uma alteração à configuração do regime geral em causa fixado pelo legislador para todo o território nacional – aprovado mediante decreto-lei autorizado por a matéria res- peitar ao estatuto das autarquias locais – com incidência sobre o espaço de autonomia dos municípios, seja decisória, seja financeira. Acresce que, enquadrando-se a matéria objeto do regime de atribuição de tarifa social para a prestação de serviços de águas na reserva de competência legislativa da AR relativa ao estatuto das autarquias locais (e não existindo excesso de forma na aprovação daquele regime), a emissão de norma (pela RAM) que imponha aos municípios a atribuição imperativa daquela tarifa a outros sujeitos e o custo respetivo – in casu , aos bom- beiros da RAM, nos termos explicitados –, sempre consubstanciaria, por identidade de razão, uma violação daquela cláusula de reserva. Refira-se, por último, que o exposto e a conclusão alcançada quanto à questão de constitucionalidade não é infirmado pelo disposto no regime vigente em matéria de sistema multimunicipal de águas (e resíduos) da RAM, a que já se aludiu, segundo o qual ao mesmo podem aderir – e aderiram já cinco – municípios da RAM e a concedente, tendo em conta a prossecução de missões de interesse público aí previstas, pode atribuir reduções e isenções de taxas (cfr. artigo 12.º, n.º 3, do regime e Bases da Concessão, Base XV, n.º 1). Por um lado, ainda que se possa admitir que os (cinco) municípios aderentes àquele sistema multimunicipal de águas da RAM se encontrem, por força dos traços do regime de concessão aprovado, fora do campo de aplicação do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 147/2017, de 5 de dezembro (e não obstante o disposto no artigo 9.º do mesmo quanto à adaptação de formas de apoio existentes correspondentes à tarifa social para a prestação de serviços de águas), a questão de constitucionalidade em causa não deixa de respeitar, pelo menos, aos demais (seis) municípios da RAM que podem voluntariamente aderir ao regime (nacional) de atribuição de tarifa social para a prestação de serviços de águas. 19.3. Pelo exposto, qualquer que seja a interpretação da norma sindicada que se tome por base, e tendo o conteúdo da norma sindicada reflexo sobre o «quadro legal de nível nacional» em matéria de tarifa social na prestação de serviços de águas (ampliando o seu âmbito subjetivo de aplicação) e incidência direta – senão preclusiva, pelo menos fortemente limitativa – sobre elementos essenciais caracterizadores da autonomia local, em especial da autonomia decisória e financeira dos municípios – por via da necessária prossecução de interesses públicos por estes não determinados e da disposição de recursos financeiros próprios municipais sem prévia decisão dos órgãos municipais competentes –, é de concluir que a matéria sobre que incide a norma sindicada se reporta a matéria integrada na reserva relativa da AR consagrada na alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição – quer na vertente do estatuto das autarquias locais (atribuições e competências dos órgãos do município), quer na específica vertente, naquele contida, do regime das finanças locais. Ocorrendo violação da reserva relativa de competência da Assembleia da República prevista na alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição – que constitui limite negativo à competência legislativa das regiões autónomas [artigos 227.º, n.º 1, alínea a) e 228.º, n.º 1] e que não pode ser objeto de autorização legislativa às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas [artigo 227.º, n.º 1, alínea b) , parte final] –, a norma ora sindicada encontra-se ferida de inconstitucionalidade orgânica. A este respeito, cumpre ainda precisar que, concluindo-se pelo desrespeito do limite negativo de com- petência por invasão da reserva parlamentar em causa, torna-se despiciendo aferir da justificação do exercício da competência legislativa por referência a matérias enunciadas no EPARAM (artigo 228.º, n.º 1, da Cons- tituição). Tendo-se acima concluído que a norma sindicada padece do vício de inconstitucionalidade orgânica por violação da alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º, da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º e do n.º 1 (parte final) do artigo 228.º todos da Constituição da República Portuguesa, fica prejudicada a apreciação (nos termos da previsão do artigo 51.º, n.º 5, da LTC, também aplicável, por se tratar de disposição geral, aos processos de fiscalização abstrata preventiva, como sucede in casu ) de outros eventuais fundamentos de
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