TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
445 acórdão n.º 331/18 “[…] Como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira, o princípio do Estado de direito, a que alude o artigo 2.º da Constituição, «mais do que constitutivo de preceitos jurídicos, é sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia de sujeição do poder a princípios e regras jurídicas, garantindo aos cidadãos liberdade, igualdade e segurança». E, como acrescen- tam os mesmos autores, não está excluído que dele se possam colher normas que não tenham expressão direta em qualquer dispositivo constitucional, mas que se apresentam «como consequência imediata e irrecusável daquilo que constitui o cerne do Estado de direito democrático, a saber, a proteção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça (especialmente por parte do Estado)» ( ob. cit. , p. 205-206). É assim que se compreende que o princípio da segurança jurídica surja como uma projeção do Estado de direito e se torne invocável, como critério jurídico-constitucional de aferição de uma certa interpretação normativa, a partir do próprio conceito de Estado de direito ínsito no falado artigo 2.º da Constituição. […] Neste condicionalismo, foi a ré, na sua qualidade de contraente público e entidade adjudicante, que deu azo à outorga dos contratos administrativos feridos de invalidade, ao escolher como co-contratante uma entidade que, pela sua natureza, estava impedida de realizar, nos termos da lei, as prestações que constituíam o objeto da relação contratual. A ré criou motu proprio a situação de ilegalidade que determinou a declaração de nulidade dos contratos, e agiu, por conseguinte, em desconformidade com a lei e, como tal, em claro desrespeito pelo princípio da legalidade, que se encontra constitucionalmente consagrado e constitui uma regra basilar de todo e qualquer procedimento administrativo (cfr. artigos 266.º, n.º 2, da Constituição e 3.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo). Transpondo para o caso dos autos os princípios acabados de expor quanto à tutela da confiança, facilmente se constata que não existe qualquer expectativa legítima, por parte da entidade administrativa, relativamente a uma interpretação normativa que não implique a destruição retroativa do negócio jurídico e a consequente restituição do indevido, quando a declaração de nulidade é decorrente da própria atuação ilícita dessa entidade. […]” (itálico acrescentado). Do mesmo modo, nos presentes autos, não se verifica qualquer situação de proteção da confiança ou expetativa na validade do negócio, que teria de decorrer de dados ou elementos ausentes do processo. Também não se apresentam como relevantes outras eventuais projeções do princípio do Estado de direito democrático. A invocada violação dos princípios da boa fé e da proibição do abuso do direito não ocorre numa hipótese de simples nulidade (aquela que está em causa) – aliás, nas suas alegações, é a própria recorrente que cita jurisprudência que faz depender as ditas “inalegabilidades formais” de circunstâncias excecionais que transcendem o sentido normativo em apreço neste recurso, às quais (como vimos) a decisão recorrida não atendeu, tendo-as ponderado. Em suma, carece de fundamento a invocada violação do disposto no artigo 2.º da Constituição. 2.4.2. Na decisão recorrida, ponderou-se se a pretensão da recorrente poderia enquadrar-se nos institu- tos da boa fé e do abuso do direito, concluindo-se pela negativa. Não cabe ao Tribunal Constitucional reapre- ciar tal enquadramento, mas simplesmente aceitá-lo como um dado quanto ao sentido normativo relevante. Resulta, assim, estabelecido no processo que se trata de uma hipótese que poderíamos designar de nulidade-padrão, ou seja, sem especificidades normativas que conduzam à excecional tutela de um dos con- traentes perante o outro ou terceiros – caso em que a invalidade é, simplesmente, invocável por uma parte no confronto com a contraparte (artigo 286.º do Código Civil). De onde resulta que, em momento anterior à expropriação, poderia o dominus opor à recorrente a nuli- dade do contrato e, perante a respetiva ineficácia, reaver o uso do prédio. Neste enquadramento, não encon- tra qualquer justificação a pretensão de, após a expropriação, a entidade expropriante ou o Estado ficarem
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