TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

44 Legislativa Regional um espaço de normação reservado, pela Constituição, aos órgãos de soberania e confi- gurando a existência um vício de inconstitucionalidade orgânica. 19.1. Para responder à questão de constitucionalidade colocada afigura-se determinante, por forma a apreciar o efeito da norma sindicada sobre o estatuto dos municípios, ter em consideração a configuração dos poderes destes, tal como decorrem do regime de atribuição de tarifa social para a prestação dos serviços de águas, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 147/2017, de 5 de dezembro, que atrás já se abordou ( supra , 13.). No que respeita à configuração dos poderes expressamente conferidos aos municípios no quadro daquele regime legal, resulta do mesmo terem aqueles, além de outros, o poder de aderir, voluntariamente, ao regime de tarifa social e fixar, querendo, outros critérios de referência, diversos dos previstos na lei, para o acesso à tarifa social, assim podendo fixar critérios de elegibilidade suscetíveis de alargar o universo potencial dos consumidores finais beneficiários da mesma tarifa. De tal regime concluiu-se ainda resultar que a tarifa social ali prevista, dirigindo-se nos termos do diploma a consumidores finais que se encontrem em situação de carência económica, é necessariamente financiada pelo município aderente territorialmente competente. Tal financiamento resulta de a tarifa social, podendo revestir a modalidade de aplicação de um desconto no preço e ou de isenção de tarifas devidas pela prestação de serviços de água, se traduzir numa redução ou supressão de receitas derivadas do recebimento do preço ou tarifa devidos por serviços prestados pelo município ou numa despesa acrescida caso a prestação dos serviços de água seja efetuada por entidade distinta do município aderente. Por último, quanto ao regime de atribuição de tarifa social para a prestação dos serviços de águas, tenha-se ainda em consideração que o mesmo resultou do exercício de autorização legislativa conferida pela AR ao Governo (na LOE para 2017), assim indiciando, como atrás se explicitou, o tratamento de matéria reservada pela Constituição à competência legislativa da AR [alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º]. Isto por, ao visar estabelecer um quadro unitário na definição do regime de acesso à tarifa social na prestação dos servi- ços de águas, incluindo quanto aos critérios de referência (“mínimos”) de que depende aquele acesso, poder contender com a liberdade de decisão dos municípios já existente na matéria e, por essa via, com poderes deliberativos, regulamentares e de gestão e de disposição e afetação da receitas próprias municipais (nas quais se inclui obrigatoriamente, segundo dispõe a própria Constituição no n.º 3 do seu artigo 238.º, «as cobradas pela utilização dos seus serviços», como sucede em relação à prestação de serviços de águas), assim incidindo, nesta particular matéria, no seu espaço próprio de liberdade de decisão e de responsabilidade na prossecução das suas atribuições e na escolha dos meios financeiros que lhe estão afetos. 19.2. É neste contexto legislativo que melhor se compreende o confronto entre o conteúdo da norma sindicada – entendida à luz do regime aplicável em matéria de tarifas sociais na água e tendo em conta o seu sentido e alcance acima mencionados ( supra , 16., de implicar, em qualquer das interpretações da norma indicadas, uma afetação do regime unitário aplicável em matéria de tarifa social na prestação de serviços de águas e do espaço de autonomia decisória e financeira dos municípios) – e a cláusula de reserva relativa de competência legislativa da AR contida na alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, que constitui o parâmetro invocado pelo requerente. Recorde-se que a norma ora sindicada, numa primeira interpretação, – ao “aditar” o direito (dos bom- beiros das RAM) às tarifas sociais na água «de forma direta e inegável» –, quanto aos municípios da RAM, interfere (senão retirando, ao menos comprimindo) em dois dos poderes essenciais cometidos pelo Decreto- -Lei n.º 147/2017, de 5 de dezembro, aos municípios (e a todos os municípios), mesmo a montante da ques- tão dos efeitos financeiros da adesão e atribuição da tarifa social em causa: o poder de aderir, a título voluntá- rio, ao regime em causa e o poder de definir outros critérios de referência, para além dos definidos por lei para a atribuição da tarifa social (ainda que não possam ser mais restritivos do que os legalmente previstos. Isto porque, por um lado, segundo a mesma interpretação, o aditamento do direito «de forma direta e inegável» implicaria a preclusão do exercício da competência de adesão voluntária ao regime de tarifa social mediante

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