TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

435 acórdão n.º 331/18 São esses princípios que determinam que, apesar de não ter sido reduzida a escrito, a relação locatícia que se estabeleceu entre as partes confere ao arrendatário o direito a uma justa indemnização a cargo da entidade expropriante. Não é outro o entendimento da jurisprudência dos nossos Tribunais superiores que vem entendendo, e bem, pela tendencial irrelevância da existência de um contrato formalmente válido para o reconhecimento de direitos ao senhorios e aos arrendatários, sempre que efetivamente exista a ocupação e a utilização da coisa. Assim, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13.01.2015, disponível em www.dgsi.pt (“3 – Mesmo que se considere nulo o contrato de arrendamento, se houve detenção, ocupação e uso do arrendado, é devido o valor correspondente à utilização da coisa, em geral em montante equi- valente à renda acordada” e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20.03.2014, disponível em www.dgsi.pt : “II – A declaração de nulidade do contrato por vício de forma pode ser afastada ou paralisada com fundamento em «abuso de direito», de conhecimento oficioso. III – As finalidades prosseguidas pelas exigências de formalismo negocial não impedem a improcedência da arguição da nulidade por abuso de direito quando o escrito particular e as circunstâncias de cumprimento do contrato demonstram que tais finalidades estão asseguradas apesar da preterição da forma legal. (AAC)”. A relativização da figura da nulidade também pode ser demonstrada pela figura da conversão. Na verdade, nos termos do art. 293.º do CC o negócio nulo pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo dife- rente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância ou de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido ser tivessem previsto a invalidade. Neste sentido, o contrato de arrendamento nulo sub judice sempre poderia ser convertido num contrato de cessão de exploração de estabelecimento ou locação de estabelecimento, entendendo-se esta figura contratual atípica, como “o contrato pelo qual uma das partes cede à outra por determinado prazo e mediante pagamento duma con- trapartida mensal, o direito de exploração de estabelecimento comercial.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-04-2012, disponível em www.dgsi.pt ). Esta constatação só pretende reforçar a inconstitucionalidade da norma que vem questionada, o excesso e a desproporcionalidade do juízo que se aliou à falta de redução a escrito de um documento inicial que titulasse a relação locatícia em causa – a perda do direito fundamental a uma justa indemnização. e) Em quinto lugar, importa também constatar que não estamos perante uma absoluta verbalização contra tual. Na verdade, este contrato tem uma expressão escrita essencial para a abordagem desta questão. De facto, o tipo de documentos que os Locatários financeiros enviavam à recorrente (cfr. Doc. 3 junto ao nosso Requerimento de 05.03.2015) documenta e constitui um suporte escrito do contrato de arrendamento sub judice , contendo esse documento os elementos essenciais de qualquer relação locatícia: os sujeitos, a permissão de utilização de um bem, o fim a que este se destina e a contraprestação pecuniária devida por essa utilização (renda). Esta constatação reforça a inconstitucionalidade da norma que vem questionada, o excesso e desproporcio- nalidade do juízo que se aliou à falta de redução a escrito de um documento inicial que titulasse a relação locatícia em causa. f ) Em sexto lugar, importa sublinhar que a exigência de forma/redução a escrito nos contratos de arrenda- mento vale essencialmente nas relações entre as partes, de modo a assegurar os direitos e os deveres de cada uma delas em relação à outra e ao próprio locado enquanto objeto do contrato, nada tendo que ver com eventuais direitos das partes perante terceiros, em particular naquelas situações, como a que nos ocupa, em que o arrendamento em causa era de conhecimento público e da própria Entidade Expropriante – a enti- dade devedora da indemnização. É este o único terceiro interessado a atender na situação que nos ocupa e este conhecia a relação locatícia da recorrente – cfr. a proposta indemnizatória que o próprio Expropriante Município de Mafra dirigiu à recorrente como arrendatária, supra n.º 4 e Docs. 4 e 5 juntos aos nossos Requerimentos de 05.03.2015). g) Em sétimo lugar, importa constatar que a tese que aqui se defende é a que vem sendo sufragada pela juris- prudência dos nossos tribunais. (…)

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