TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

434 direito fundamental da recorrente a uma justa indemnização não prejudica esses fins de certeza e segurança do comércio. Em qualquer caso, ainda que se entendesse que esses fins de certeza e segurança do comércio pudessem ficar debilitados com a tese que se defende, a relevância que se pretendesse conferir a esses fins na articu- lação com a justa indemnização expropriativa nunca poderia diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos direitos fundamentais da recorrente que nos ocupam, como se prescreve expressamente no art. 18.º, n.º 3, da Constituição. Assim, porque neste caso a relevância que a norma sub judice deu a esses fins determina, não uma mera diminuição, mas uma ablação total dos direitos fundamentais da recorrente em causa, sem habilitação constitucional suficiente, parece-nos fácil a conclusão de que a norma sub judice viola a tutela destes arts. 18.º, n.º 3, e 62.º da Constituição. c) Em terceiro lugar, importa sublinhá-lo, não estão aqui em causa, em geral, os fins de certeza e segurança do comércio; os fins dessa natureza que podem aqui ser atendidos são os específicos fins que determinam a concreta exigência de redução a escrito dos contratos de arrendamento. Ora, como se sabe, esse específico fim e essa concreta exigência estão longe de constituir uma exigência absoluta ou essencial na nossa ordem jurídica. Na verdade, não só a lei portuguesa vigente à data deste contrato de arrendamento admitia que em muitas situações os arrendamentos não fossem reduzidos a escrito, como a própria violação dessa exigência formal poderia não ter consequências relevantes. Assim, por exemplo, – os contratos de arrendamento de duração inferior a 6 meses não tinham que ser reduzidos a escrito – cfr. a redação do art. 1069.º do CC da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro; – por outro lado, mesmo quanto aos contratos de arrendamento que não respeitassem a forma legalmente exigida (redução a escrito ou até escritura pública), a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores sempre entendeu que outros princípios jurídicos podem determinar a ineficácia ou inalegabilidade da nulidade daí decorrente. Assim, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.03.2016, proc. 2234/11.3TBFAF.G1.S1: “A jurisprudência tem admitido, em situações excecionais e bem deli- mitadas, que possa decretar-se, por exemplo, a inalegabilidade pela parte de um vício formal do ato jurídico, decorrente da preterição das normas imperativas que, à data da respetiva celebração, com base em razões de interesse público, regiam a forma do ato – acentuando, porém, que esta solução (condu- zindo ao reconhecimento do vício da nulidade, mas à paralisação da sua normal e típica eficácia) carece de ser aplicada com particulares cautelas”. d) Em quarto lugar, a norma cuja constitucionalidade vem questionada suporta-se, no essencial, na comi- nação e efeitos da nulidade estabelecidas nos arts. 220.º e 289.º do CC. Isto é, para esta norma e para o Acórdão recorrido a figura da nulidade ainda constitui um dogma absoluto: se é nulo, não produz efeitos jurídicos; se o contrato de arrendamento é nulo, o arrendatário não tem direito a ser indemnizado em caso de expropriação. No entanto, como se sabe, as coisas não se passam exatamente assim: mais do que por esquemas puramente lógico-formais, o Direito e a nossa ordem jurídica regem-se essencialmente por princípios e valores jurídi- cos, que podem e devem efetivamente conformar a interpretação dos textos legais. De facto, seja no Direito Privado (assim, por exemplo, os arts. 221.º, 291.º, n.º 1, 293.º ou 956.º, n.º 1, do CC), seja no Direito Público, a nulidade não impede a produção de efeitos jurídicos. Em particular, importa convocar o regime do art. 162.º, n.º 3, do CPA: “o disposto nos números anterio- res não prejudica a possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, de harmonia com os princípios da boa fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade ou outros princípios jurídicos constitucionais, designadamente associados ao decurso do tempo”. Este regime, mais do que de Direito Administrativo, encerra um princípio estruturante do Direito e do Direito Constitucional, constituindo um suporte hermenêutico essencial na leitura dos arts. 220.º e 289.º do CC em que se funda a norma impugnada.

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