TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
42 Constituição consagra diversas dimensões ou elementos constitutivos da autonomia local. Aí se inscreve, nomea- damente, a autonomia de organização (artigo 237.º, n.º 1), a autonomia orçamental (artigo 237.º, n.º 2), a auto- nomia patrimonial e financeira (artigo 238.º, n.º 1 a 3), a autonomia fiscal (artigo 238.º, n.º 4, e artigo 254.º), a autonomia referendária (artigo 240.º, n.º 1), a autonomia regulamentar (artigo 241.º) e a autonomia em matéria de pessoal (artigo 243.º). Como António Cândido de Oliveira refere, existe um «conjunto de poderes constitu- cionalmente garantidos», tais como «o poder de dispor de órgãos próprios eleitos democraticamente; o poder de dispor de património e finanças próprias; o poder de dispor de um quadro de pessoal próprio; o poder regulamen- tar próprio; o de exercer sob responsabilidade própria um conjunto de tarefas adequadas à satisfação dos interesses próprios das populações respetivas», que «garante à administração local uma situação de não submissão em relação à administração do Estado», e constitui «aquilo a que poderíamos chamar a vertente de defesa da autonomia local» ( Direito das Autarquias Locais, Coimbra Editora, 2013, pp. 92 – 93). O condicionamento ou compressão da autonomia local (nomeadamente dos seus elementos) pode apenas decorrer da lei, quando um interesse público nacional ou supralocal o justificar, e sempre com a ressalva do seu núcleo incomprimível. Efetivamente, «a autonomia municipal não pode afetar a integridade da soberania do Estado. De facto, os poderes locais também são, por natureza, limitados, pois não podem ser exercidos para além do âmbito de interesses (necessariamente locais) que os justificam, não podendo invadir espaços de deliberação ou atuação que devem permanecer reservados à esfera da comunidade nacional» (cfr. M. Lúcia Amaral, A Forma da República, Coimbra Editora, 2012, p. 385).» E, mais à frente, comespecial enfoque na autonomia patrimonial e financeira, continua o Acórdão n.º 494/15: «17. Como já se teve oportunidade de referir, a autonomia local, constitucionalmente garantida, visa «a prosse- cução de interesses próprios das populações respetivas» (artigo 235.º, n.º 2, da Constituição). É nesse contexto que a lei define as atribuições das autarquias (artigo 237.º, n.º 1), em domínios, áreas ou matérias determinadas, como o ordenamento do território, o ambiente, a cultura, a ação social, a proteção civil ou a educação (cfr. os artigos 7.º e 23.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado em anexo à Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro). Para- lelamente, a Constituição consagra dimensões ou elementos constitutivos da autonomia, decorrentes do princípio da autonomia local, que garantem que o desempenho pelas autarquias, como entes democráticos locais, das suas atribuições não se encontra indevidamente condicionado pelo Governo (a autonomia orçamental, regulamentar, ou de pessoal). A existência de órgãos das autarquias com legitimidade democrática direta – que são eleitos pela população local e perante esta responsáveis – seria incompatível com a sujeição da sua organização ou funciona- mento a uma qualquer relação de hierarquia ou sujeição a tutela de mérito pela administração do Estado. Caso contrário, os titulares do poder local poderiam ser politicamente responsabilizados por opções que não foram por si livremente tomadas. Encontrando-se a autonomia local, tal como consagrada na Constituição, funcionalmente ligada à prossecução dos interesses próprios das populações (artigo 235.º, n.º 2), também os elementos dessa autonomia, onde se insere a autonomia em matéria de pessoal, são instrumentais face às atribuições das autarquias e essenciais para a sua prossecução. Um desses elementos, a autonomia financeira das autarquias locais, já foi «pacificamente reconhecida como um pressuposto da autonomia local», sem a qual «não há condições para uma efetiva autonomia», pelo Tri- bunal Constitucional (Acórdão n.º 631/99, n.º 5). Como se afirma no Acórdão n.º 398/13, n.º 3, ainda quanto à proteção constitucional da autonomia financeira das autarquias locais: «A consagração constitucional da autonomia local traduz (…) o reconhecimento da existência de um con- junto de interesses públicos próprios e específicos de populações locais, que justifica a atribuição aos habitantes dessas circunscrições territoriais do direito de decisão no que respeita à regulamentação e gestão, sob a sua responsabilidade e no interesse dessas populações, de uma parte importante dos assuntos públicos. Este reco- nhecimento tem pressuposta a ideia de que as autarquias locais têm de dispor de património e receitas próprias que permitam conferir operacionalidade e tornar praticável a prossecução do interesse público, concretamente,
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