TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
412 e conferir a outros, uma prestação do Estado Social, ou seja, resulta numa ofensa do princípio e do direito fundamental à igualdade de tratamento consagrado no artigo 13.º da CRP. R) Assim, trabalhadores que tenham cessado as relações laborais mais tarde e até nada tenham feito para o decre- tamento da insolvência e reclamação (judicial) dos seus créditos laborais – o que até sucedeu in casu – serão (como aliás foram) beneficiados e privilegiados face aos recorridos que tudo fizeram para reclamarem os seus créditos, inclusive junto do FGS, infrutiferamente, pois a regra cega do prazo prevista no n.º 8 do artigo 2.º do RFGS foi utilizada pela administração. Note-se que conforme supra se explanou e bem apreendeu o tribunal a quo, a demora na declaração de insolvência da ex-entidade patronal não é imputável aos recorridos, que atua- ram sempre diligentemente e até interromperam a prescrição material dos seus créditos laborais. Não obstante, esta norma de caducidade, se vista isoladamente e de forma cega e automática, discrimina e lesa os recorridos, violando desse modo o princípio do Estado de direito e o princípio da igualdade. a administração (leia-se fundo de garantia salarial) não tratou de modo igual o que é igual e desigual o que é desigual. […] [repete o teor de outras conclusões] X) Consequentemente, e como bem consta de douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, desaplicado [o regime da caducidade do n.º 8 do artigo 2.º do RFGS], não se pense que o sistema normativo que ele compunha redunda em alguma aporia de modo a não poder todo ele ser aplicado. Na ver- dade, na falta da bizarra norma do n.º 8 do artigo 2.º, sempre teremos, a limitar no tempo o exercício do direito ao pagamento de créditos salariais pelo fundo, ‘a norma geral de prescrição de créditos laborais, precisamente um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato – cf. artigo 337.º, n.º 1, do CT – esta, sim, suscetível das interrupções constituídas pela ação laboral e pela reclamação de créditos na insolvência, inter- rupções indispensáveis para a reposição da justiça em face de um anormal atraso das decisões no processo de insolvência que são pressuposto da obrigação do fundo’. Termos em que, deve manter-se a douta sentença recorrida e bem assim confirmar-se a declaração de incons- titucionalidade do n.º 8 do artigo 2.º do Regime do Fundo de Garantia Salarial, por violação do princípio do Estado de Direito e do princípio da igualdade, consagrados nos artigos 2.º e 13.º da Constituição da República Portuguesa, devendo manter-se a sua desaplicação no caso concreto em apreço. […]”. Relatado o desenvolvimento do processo, cumpre apreciar e decidir o recurso de constitucionalidade interposto pelo Ministério Público. II – Fundamentação 2. Constitui primeiro passo na apreciação do recurso a determinação exata do respectivo objeto. Ora, para tal efeito, importa contextualizar a dinâmica processual da qual emergiu a impugnação. 2.1. Subjacente à decisão recorrida está a seguinte sucessão de factos relevantes: (a) os contratos de trabalho dos autores cessaram, por encerramento do estabelecimento onde presta- vam trabalho, em 4 de março de 2014; (b) em 28 de agosto de 2014, o primeiro autor requereu a insolvência da entidade patronal; (c) em 17 de março de 2015, a entidade patronal foi declarada insolvente (foi-o, pois, mais de seis meses depois de requerida a insolvência); (d) em 5 de novembro de 2015, os autores reclamaram os seus créditos na insolvência; (e) no mesmo dia 5 de novembro de 2015, os autores requereram ao Fundo de Garantia Salarial (dora- vante identificado pela sigla FGS) o pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho, nos valores parcelares de € 5 507,65;
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