TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

41 acórdão n.º 420/18 referidas e que a mesma seja capaz de levar a cabo de forma autónoma e sob a sua responsabilidade própria» ( ob. cit. , pp. 83-84). Nas palavras do Acórdão n. os  432/93, (n. os  1.2. e 1.3.), esses interesses próprios das populações: «(…) justificam a autonomia e porque a justificam delimitam-lhe o conteúdo essencial. Eles entranham as razões de proximidade, responsabilidade e controlabilidade que proporcionam a auto-organização. O espaço incomprimível da autonomia é, pois, o dos assuntos próprios do círculo local, e “assuntos pró- prios do círculo local são apenas aquelas tarefas que têm a sua raíz na comunidade local ou que têm uma relação específica com a comunidade local e que por esta comunidade podem ser tratados de modo autónomo e com responsabilidade própria (...und von dieser örtlichen Gemeinschaft eigenverantwortlich und selbständig bewältigt werden können )” (Sentença do Tribunal Constitucional alemão n.º 15, de 30 de julho de 1958, in Entscheidun- gen des Bundesverfassungsgerichts, 8.º volume, p. 134; cfr., no mesmo sentido, Parecer n.º 3/82 da Comissão Constitucional in Pareceres da Comissão Constitucional, 18.º volume, p. 151). 1.3 – Isso não implica que as autarquias não possam ou não devam ser chamadas a uma actuação con- corrente com a do Estado na realização daquelas tarefas. O “paradigma social do Direito” (Habermas) aponta mesmo para uma política de cooperação e de intervenção de todas as instâncias com imediata possibilidade de realizarem as imposições constitucionais.» 10. A prossecução dos interesses próprios das populações locais pelas autarquias tem que ser conjugada com a prossecução do interesse nacional pelo Estado. De facto, como o Tribunal Constitucional já afirmou, «como as autarquias locais integram a administração autónoma, existe entre elas e o Estado uma pura relação de supraorde- nação-infraordenação, dirigida à coordenação de interesses distintos (os interesses nacionais, por um lado, e os inte- resses locais, por outro), e não uma relação de supremacia-subordinação que fosse dirigida à realização de um único e mesmo interesse – o interesse nacional, que, assim, se sobrepusesse aos interesses locais» (Acórdão n.º 379/96, n.º 5.3.). Como nota André Folque, quando «a autonomia municipal postula interesses próprios e quando se fala na concorrência da dimensão nacional com a dimensão local, isso não corresponde a uma sobreposição de atribui- ções. De outro modo, seria preterida a esfera de interesses próprios (art. 235.º, n.º 2)» ( A tutela administrativa nas relações entre o Estado e os Municípios, Coimbra Editora, 2004, pp. 130-131). Sendo certo que «as atribuições e a organização das autarquias locais, bem como a competência dos seus órgãos, serão reguladas por lei» (artigo 237.º, n.º 1, da Constituição), é nesse contexto que o legislador deve balancear a prossecução de interesses locais e do interesse nacional ou supralocal, gozando de uma vasta margem de autonomia. No entanto, ao desempenhar essa tarefa, «o legislador não pode pôr em causa o núcleo essencial da autonomia local; tem antes que orientar-se pelo princípio da descentralização administrativa e reconhecer às autarquias locais um conjunto de atribuições próprias (e aos seus órgãos um conjunto de competências) que lhes permitam satisfa- zer os interesses próprios (privativos) das respetivas comunidades locais» (Acórdão n.º 379/96, n.º 5.2., e Acórdão n.º 329/99, n.º 5.4.). Assim, na síntese efetuada por Artur Maurício sobre a jurisprudência relativa à garantia da autonomia local: «a autonomia do poder local vem sendo essencialmente concebida como uma garantia organizativa e de competên- cias, reconhecendo-se as autarquias locais como uma estrutura do poder político democrático e com um círculo de interesses próprios que elas devem gerir sob a sua própria responsabilidade» só podendo a «restrição legal desses interesses (…) ser feita com o fim da prossecução de um interesse geral, que ao legislador compete definir, não podendo, de todo o modo, ser atingido o núcleo essencial da garantia da administração autónoma». «Nos âmbitos que considera abertos à concorrência do Estado e das autarquias vem ainda o Tribunal entendendo (…) que são constitucionalmente legítimas compressões da autonomia local, não deixando, contudo, de fazer passar as medidas legislativas ou regulamentares em causa pelo crivo da adequação e da proporcionalidade» ( ob. cit. , pp. 656-657). 11. A autonomia das autarquias locais, intrinsecamente relacionada com a gestão democrática da República, tal como constitucionalmente desenhada, pressupõe um conjunto de poderes autárquicos que asseguram uma sua atuação relativamente livre e incondicionada face à administração central no desempenho das suas atribuições, visando a prossecução do interesse da população local. Com o objetivo de assegurar essa liberdade de atuação, a

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