TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

405 acórdão n.º 328/18 Mas isso não implica que lhes não assista razão na reivindicação do direito subjetivo. Veremos: iura novit curia. Por sua vez, o Réu, que no ato impugnado assume expressamente o entendimento de que o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, cominado no n.º 8 do artigo 2.º do Regime do Fundo, é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão [esta afirmação decorre de incidências descritas na matéria de facto que serão especificadas já de seguida no ponto 1.2.1. infra ], na contestação (cf. correção junta em 13/11/2016) já admite que a instauração de ação laboral contra a EP seria um facto suspensivo desse prazo, embora não explique o fundamento legal desse entendimento [esta afirmação, por sua vez, reporta-se à contestação apresentada pelo Fundo de Garantia Salarial no trecho transcrito infra no item 1.2.2.]. A ação laboral tinha, afinal, sido instaurada conforme se provou, mas nem por isso se pode dizer que haja erro nos pressupostos do ato de indeferimento, porque este foi proferido no pressuposto de que nada podia interromper o sobredito prazo de um ano, nem mesmo a instauração da ação laboral. Nem por isso este facto deixa de ser relevante para a discussão da causa pois, de facto, a ser o prazo do n.º 8 do artigo 2.º do regime uma mera alusão à regra geral da prescrição dos créditos laborais um ano após a cessação do contrato, a ação terá o condão, precisamente, de interromper esse prazo de prescrição. Mas não parece que seja isso que se consagra no n.º 8 vindo a referir. Por um lado, isso seria redundante face ao regime da prescrição dos créditos laborais, já legalmente consagrado, e uma redundância forçada, já que não é utilizado o conceito jurídico da prescrição, no que, note-se, aquela norma diverge da que de algum modo lhe correspondia no anterior Regime do Fundo, constituído pelos artigos 317.º e seguintes do regulamento do Código do Trabalho de 2004, a saber, o n.º 4 do artigo 319.º, segundo o qual ‘o Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respetiva prescrição’. Dir-se-ia, assim, que os trabalhadores estão sujeitos ao decurso inexorável do tempo, por mais diligentes que possam ser na criação das condições legais – formais e materiais – para o exercício do seu direito a haver do Réu o pagamento dos créditos salariais sobre a entidade patronal insolvente de facto. Diz o réu que, se bem entendemos, os autores podiam ter apresentado o requerimento ao Fundo mesmo antes da prolação da sentença de insolvência, podendo instruí-lo logo com a declaração do empregador confirmando os créditos, no próprio formulário do requerimento, e, depois, a posteriori, juntar a sentença da insolvência e, até, o reconhecimento dos créditos na mesma insolvência. Mas não é isso que o Regime do Fundo pressupõe, desig- nadamente, quando diz, no artigo 5.º, que o pedido é instruído com declaração do empregador comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento pelo trabalhador ‘quando o mesmo não seja parte constituída’ – o que significa que, tendo havido ação laboral e de insolvência, o que se exigia era, sem alternativa, o documento mencionado na alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º: declaração do administrador da falên- cia ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador na insolvência. A haver processo de insolvência, os créditos têm de ser aí reclamados e isso mesmo demonstrado ao Fundo, em documento anexo ao requerimento: artigo 5.º, n.º 2, alínea b) , do Regime do Fundo. Se assim é, os Autores estavam mesmo condicionados pelo andamento do processo de insolvência para pode- rem exercer o direito de pedir o pagamento dos seus créditos pelo Fundo. Podiam ter instaurado o processo de insolvência mais cedo? Mas não só não sabemos se a insolvência já se verificava, de facto, antes – e quanto antes – do momento em que foi requerida, como nem por ter sido requerida logo no dia seguinte à cessação dos contratos, estaria garantido que a sentença e o reconhecimento dos créditos reclamado estariam proferidos antes de um ano. Contudo, a determinação de um prazo de caducidade de um direito sem se prever quaisquer causas de suspensão ou interrupção e prevendo-se, outrossim, a necessidade de requisitos, para o exercício do direito, que não está na mão do seu titular fazer preencher, de tal maneira que não está garantido que o seu titular possa ter oportunidade legal de exercer o direito dentro do prazo, além de ser uma péssima técnica legislativa, não é suportável constitucionalmente, designadamente não passa pelo crivo da consagração do Estado de Direito, no artigo 2.º da Constituição, na medida em que toma aleatórios e arbitrariamente subversíveis os pressupostos do exercício de um direito social reconhecido a todos os trabalhadores.

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