TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
40 O princípio da autonomia local (cujas fontes não se esgotam no quadro jurídico-constitucional) encon- tra, assim, na Constituição o acolhimento devido a um princípio fundamental que se revela em diversas vertentes, como, aliás, reconhecido na jurisprudência constitucional que se tem pronunciado sobre a garantia constitucional da autonomia do poder local. Assim, no Acórdão n.º 494/15, em que se reafirma que “[a] autonomia local é um dos pilares fundamentais em que assenta a organização territorial da República Portu- guesa, tal como resulta do artigo 6.º, n.º 1, da Constituição.”, pode ler-se: «b) O princípio da autonomia local (…) 8. A autonomia local é um dos pilares fundamentais em que assenta a organização territorial da República Portuguesa, tal como resulta do artigo 6.º, n.º 1, da Constituição. Nesse contexto, a autonomia local deve ser associada ao princípio constitucional geral da unidade do Estado e, lida em contexto com a autonomia regional, o princípio da subsidiariedade e a descentralização administrativa (Gomes Canotilho/ Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra Editora, 2007, p. 232). A importância central desta matéria tem como consequência o tratamento jurisprudencial desenvolvido pelo Tribunal Constitucional sobre o alcance da garantia constitucional da autonomia local (cfr. A. Maurício, “A garantia constitucional da autonomia local à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional”, in Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, pp. 625-657). O princípio da autonomia local, de que importa agora tratar, é desenvolvido na Constituição no seu título VIII, relativo ao Poder local, da parte III (Organização do poder político). O enquadramento supralegal das autarquias locais é, ainda, completado pela Carta Europeia da Autonomia Local, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 28/90, de 23 de outubro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 58/90, de 23 de outubro, vigente na nossa ordem jurídica por força do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição. 9. O artigo 235.º da Constituição estabelece que a «organização democrática do Estado compreende a exis- tência de autarquias locais», que são «pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas». Esta norma constitucional garante e impõe a exis- tência de autarquias locais em todo o país e «tem um sentido de garantia institucional, assegurando a existência de administração local autárquica autónoma» (Acórdão n.º 296/13, n.º 12). As autarquias locais são mais que «mera administração autónoma do Estado», uma vez que «concorrem, pela própria existência, para a organização democrática do Estado. Justificadas que são pelos valores da liberdade e da participação, as autarquias conformam um “âmbito de democracia” (Ruiz Miguel), num sistema que conta preci- samente com o princípio básico de que toda a pessoa tem direito de participar na adoção das decisões coletivas que a afetam» (cfr. Acórdão n.º 432/93, n.º 1.2., cfr. também Acórdão n.º 296/13, n.º 13, e o Acórdão n.º 109/15, n.º 10). Nesse contexto, José de Melo Alexandrino, define autarquia local como «a forma específica de organiza- ção territorial, na qual uma comunidade de residentes numa circunscrição territorial juridicamente delimitada dentro do território do Estado prossegue interesses locais, através do exercício de poderes públicos autónomos», acentuando o Autor um conjunto de ideias das quais destacamos «o relevo e a inafastável feição política dos entes locais» e «um certo grau de imediatividade dos poderes públicos (dado pelo autogoverno inerente à legitimidade e representatividade democráticas dos órgãos), mas também a independência relativamente a orientações ou poderes condicionantes externos, nomeadamente estatais» (“Direito das Autarquias Locais”, in Tratado de Direito Adminis- trativo Especial, vol. IV, Almedina, 2010, pp. 111-112). As autarquias locais têm como objetivo constitucionalmente traçado a prossecução de interesses próprios das populações respetivas (artigo 235.º, n.º 2). Também segundo o artigo 3.º, n.º 1, da Carta Europeia da Autonomia Local, «o princípio da autonomia local pressupõe e exige, entre outros, o direito e a capacidade de as autarquias regulamentarem e gerirem, nos termos da lei, sob a sua responsabilidade e no interesse das respetivas populações, uma parte importante dos assuntos públicos» (Acórdão n.º 296/13, n.º 14). Entende José de Melo Alexandrino que a garantia institucional da autonomia local, «na fórmula consagrada pelo Tribunal Constitucional federal ale- mão», é «uma garantia institucional de todas as atribuições enraizadas na comunidade local ou a ela especificamente
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