TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

398 22. Face ao já exposto, e em especial considerando a interpretação mais próxima do elemento literal dos n. os 4 e 5 do artigo 14.º da Lei n.º 6/2006, na sequência da entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, por se ter expressamente atribuído ao juiz a possibilidade de deferir ou indeferir o requerimento apresentado pelo senhorio no “incidente de despejo imediato” («em caso de deferimento do requerimento»), deslinda-se estarem verificadas as condições para que este Tribunal recorra ao mecanismo previsto no artigo 80.º, n.º 3, da LTC, proferindo, ao seu abrigo, uma decisão interpretativa. De facto, estipula-se no artigo 80.º, n.º 3, da LTC: «[n]o caso de o juízo de constitucionalidade ou de legalidade sobre a norma que a decisão recorrida tiver aplicado, ou a que tiver recusado aplicação, se fundar em determinada interpretação da mesma norma, esta deve ser aplicada com tal interpretação, no processo em causa». E, apesar de se tratar de um mecanismo cuja utilização é usualmente tida por “excecional” uma vez que, em certo sentido, implica que o Tribunal Constitucional se substitua aos tribunais comuns na interpretação das normas jurídicas por aqueles aplicadas nas decisões concretas (cfr., entre outros, Acórdão n.º 331/16), este Tribunal tem vindo a recorrer à sua aplicação, sendo disso exemplo os Acórdãos n. os 544/14, 545/14, 106/16, 132/18. 23. Em concreto, e no que importa para os presentes autos, justificar-se-á proferir uma decisão inter- pretativa ao abrigo do artigo 80.º, n.º 3, da LTC, nomeadamente «nas situações em que, não obstante se conclua pela inconstitucionalidade do sentido normativo relevante para a decisão da situação sub judice , se verifique que o preceito legal em causa comporta ainda uma outra interpretação (conforme à Constituição), em razão do elemento teleológico da norma em causa e que encontre na sua formulação um mínimo de correspondência verbal (sendo, assim, verdadeira interpretação e não a criação de uma norma para o caso)» (cfr. Acórdão n.º 401/17). Ou, por outras palavras, «[N]o domínio da fiscalização concreta da constitucionalidade, a interpretação do direito infraconstitucional feita pelo tribunal recorrido é, em princípio, vinculativa para o Tribunal Cons- titucional, já que a este, conforme mencionado anteriormente, compete «julgar inconstitucional ou ilegal a norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação» (artigo 79.º-C da LTC). No entanto, tal não impede o Tribunal Constitucional, se assim o entender justificada- mente, de se afastar da interpretação acolhida pela decisão recorrida, e de a substituir por outra, desde que conforme à Constituição (cfr. o artigo 80.º, n.º 3, da LTC).» (cfr. Acórdão n.º 267/17). 24. Ora, visto que, nos presentes autos, o sentido extraído pelo tribunal recorrido do n.º 4 do artigo 14.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, resulta de uma interpretação restritiva face ao seu elemento literal, em especial quando conjugado com o n.º 5 do mesmo artigo na versão decorrente da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, caberá a este Tribunal fixar uma diferente interpretação, conforme à Constituição. 25. Pelo exposto, o artigo 14.º, n.º 4, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, alterado pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, deve, em consonância com o n.º 5 do mesmo artigo, ser interpretado em conformidade com princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n. os 1 e 4, da Constituição, no sentido de que o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da ação nele previsto não é automático, sendo o seu requerimento livremente apreciado pelo juiz, pelo que, nos casos em que na ação de despejo persista controvérsia quanto a outras questões, que não digam exclusivamente respeito à falta de pagamento de rendas, o réu não está impedido de exercer o contraditório mediante a uti- lização de outros meios de defesa.

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