TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

397 acórdão n.º 327/18 admitir que o locatário seja despejado sem que tenha oportunidade processual para se pronunciar sobre um novo facto constitutivo do direito à resolução do contrato pelo senhorio? (em sentido negativo, afirmando que o inquilino «há de poder exercer plenamente o seu direito de defesa», cfr. Rui Pinto, Manual de Execução e Despejo, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pp. 1126 e 1127). 20. De resto, é tudo menos irrelevante para a apreciação da interpretação do artigo 14.º, n.º 4, da Lei n.º 6/2006 tida por inconstitucional pelos recorrentes, a alteração promovida pelo legislador em 2012 ao n.º 5 do mesmo artigo, por aí se ter expressamente introduzido possibilidade de o requerimento apresen- tado pelo senhorio ser indeferido. Deste modo, o legislador caminhou no sentido de afastar que o despejo imediato do arrendatário seja tido como um efeito automático decorrente da não junção de comprovativo de pagamento ou depósito das quantias alegadamente em dívida (cfr. neste sentido, Maria Olinda Garcia, Arrendamento Urbano Anotado. Regime Substantivo e Processual , Coimbra Editora, Coimbra, 2012, p. 184). Outra solução interpretativa conduziria a um resultado inaceitável, decorrendo da aplicação conjugada dos n. os  4 e 5 do artigo 14.º da Lei n.º 6/2006 que o legislador, ao atribuir ao juiz a possibilidade de deferir ou indeferir o requerimento apresentado pelo senhorio («em caso de deferimento do requerimento»), será porque necessariamente admite que o pedido do despejo imediato possa ser indeferido mesmo que o arren- datário não cumpra com a obrigação de junção de comprovativo de liquidação das quantias (alegadamente) em dívida. Ou seja, o quadro legal atualmente em vigor afasta o automatismo do despejo imediato, dando ao jul- gador todas as ferramentas para fazer dele uma boa interpretação do direito, em plena conformidade com a Constituição. É nesse sentido, aliás, que o Supremo Tribunal de Justiça decidiu recentemente, em acórdão de 13 de julho de 2017, da 2.ª Secção, que “como a atual redação do n.º 5 do artigo 14.º do NRAU (introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto) evidencia – ao referir-se a “em caso de deferimento do requerimento” –, a falta de prova do pagamento ou depósito das rendas vencidas na pendência da acção não implica a procedên- cia automática do incidente de despejo imediato” (Proc. n.º 783/16.6T8ALM-A.L1.S1). 21. Assim sendo, tal como já decidido por este Tribunal nos arestos acima citados e afirmado por dou- trina autorizada (no sentido de que, sob pena de violação do princípio da proibição da indefesa, «não se pode entender que a única opção concedida ao arrendatário é demonstrar, até ao termo do prazo para a sua resposta, que procedeu a esse pagamento ou depósito», cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Leis do Arrendamento Urbano… cit., p. 404), não se mostra compatível com o princípio da proibição de indefesa, decorrente do artigo 20.º, n. os 1 e 4, da Constituição, uma interpretação do artigo 14.º, n.º 4, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, alterado pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, segundo a qual se for requerido pelo autor o des- pejo imediato com fundamento em falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da acção, o único meio de defesa do réu é a apresentação de prova, até ao termo do prazo para a sua resposta, de que procedeu ao pagamento ou depósito das rendas em mora e da importância da indemnização devida. Com isto não se pretende naturalmente admitir que qualquer fundamento servirá para obstar ao despejo imediato do arrendatário, e muito menos que o tribunal ficará vinculado aos mesmos, mas apenas que da aplicação conjugada dos n. os  4 e 5 do artigo 14.º da Lei n.º 6/2006, o arrendatário não deve ser impedido de exercer o seu direito ao contraditório, constitucionalmente protegido. Com efeito, uma coisa é a permissão de contraditório; outra é a eventual procedência dos fundamentos invocados no seu exercício, que o juiz apreciará livremente. Como, aliás, tem sido evidenciado pela jurisprudência deste Tribunal, aquilo que verdadeiramente ofende o princípio da proibição de indefesa é não permitir outros meios de defesa naqueles casos em que “na ação de despejo persista controvérsia quer quanto à identidade do arrendatário, quer quanto à existência de acordo, diverso do arrendamento, que legitimaria a ocupação do local pela interveniente processual” (vide Acórdão n.º 673/05).

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