TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
396 melhor, de tal interpretação resulta que a tutela da posição jurídica do arrendatário fica legalmente limitada a uma de duas hipóteses: ou o arrendatário procede à junção aos autos de comprovativo de que liquidou ou depositou as verbas (alegadamente) em dívida, e evita, pelo menos nesse momento, o despejo ao abrigo do incidente; ou não procede à junção desse comprovativo e sujeita-se, irremediavelmente, ao seu despejo imediato do prédio, sem que possa invocar, junto do tribunal, outra causa que o evite. Como decidido no Acórdão n.º 673/05 (e confirmado pela Decisão Sumária n.º 101/10), os fins de reconhecida dignidade constitucional que esta interpretação do artigo 14.º, n.º 4, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, prossegue não são, por si só, suficientes para justificar uma restrição quase absoluta do direito ao contraditório do arrendatário: «Tal meio de defesa é manifestamente desajustado em todos os casos em que justamente se questiona o próprio dever de pagamento de determinada renda, seja por que fundamento for (inexistência de contrato de arrenda- mento válido, não serem autor e/ou réu os verdadeiros locador e/ou locatário, dissídio quanto ao montante da renda ou da sua imediata exigibilidade, invocação de diverso título para justificar a ocupação do local). No presente caso, em que, para além da controvérsia sobre a qualidade de locatária da primitiva ré, a interveniente (ora recor- rente) sustenta o seu direito de ocupação do local em contrato promessa de compra e venda que teria celebrado com o autor, com consequente inexistência do dever de pagamento de rendas, sendo as entregas de valor feitas imputadas no pagamento do preço de compra, questão que se encontrava ainda pendente quando foram proferidas as decisões das instâncias ora em causa, é óbvia a desadequação e inefectividade do único meio de defesa que foi reconhecido à recorrente: a prova do pagamento ou depósito das rendas pretensamente em falta, acompanhada da indemnização devida.» E ainda que a atual obrigação de redução a escrito do contrato de arrendamento urbano (artigo 1069.º do Código Civil) possa mitigar a relevância de consentir o contraditório ao arrendatário no âmbito do “incidente de despejo imediato”, em especial por relação com pretéritas dúvidas quanto à existência de uma relação contratual entre as partes processuais, este aspeto não esgota os fundamentos que o arrendatário pode invocar como forma de obstar ao seu despejo ( e. g. invocação de outro título que justifique a manutenção da posse sobre o prédio; junção aos autos de acordo entre as partes no sentido da não exigibilidade das rendas), e, sobretudo, que o tribunal possa apreciá-los com a celeridade compatível com a natureza do incidente, deci- dindo sobre a sua procedência e, consequentemente, pelo deferimento ou indeferimento do requerimento de despejo apresentado pelo senhorio [neste sentido, afirmando que «nada pode impedir, por exemplo, que o arrendatário demandado queira discutir a qualidade de senhorio do demandante, o dever de pagar as rendas ou mesmo a validade do contrato de arrendamento ou pretenda invocar a mora do senhorio», cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Leis do Arrendamento Urbano Anotadas (coord. António Menezes Cordeiro), Almedina Editora, Coimbra, 2014, p. 404; e, do mesmo autor, atente-se à afirmação de que «o despejo imediato não deve ser decretado se o arrendatário invocar a exceptio non adimpleti contractus como fundamento para o não pagamento das rendas vencidas durante a pendência da acção de despejo (cfr. A acção de despejo, 2.ª edição, Lex, Lisboa, 1995, p. 78)]. Aliás, a relevância de permissão do contraditório assume contornos mais evidentes na medida em que, face ao modo como o legislador configurou o “incidente de despejo imediato”, o decretamento do despejo imediato consumirá a eventual falta de fundamento da ação de despejo. Ou seja, mesmo nos casos em que a ação de despejo pudesse ser manifestamente improcedente, o não pagamento ou depósito das rendas vencidas durante a sua pendência justificaria sempre o despejo imediato ao abrigo do incidente (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, A acção de despejo, … cit., p. 77). Acresce que o decretamento do despejo imediato ao abrigo do incidente implicará, por regra, a extinção da ação de despejo por inutilidade superveniente da lide. Deste modo, caso não se permita o exercício do contraditório, o locatário poderá ser sujeito a um despejo imediato sem que tenha tido qualquer oportunidade processual para obstar à pretensão do locador. Pense-se ainda nos casos em que ação de despejo não teve por fundamento a falta de pagamento das rendas: será de
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