TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

395 acórdão n.º 327/18 da celeridade processual, da segurança e da paz jurídica, uma relação de equivalência constitucional, devendo o legislador optar por soluções de concordância prática, de tal modo que das suas escolhas não resulte o sacrifício unilateral de nenhum dos valores em conflito, em beneficio exclusivo de outro ou de outros» 17. Ora, quanto à interpretação normativa que constitui o objeto do presente recurso, visto que dela se retira que o arrendatário, no âmbito do “incidente de despejo imediato”, tem apenas como forma de “resposta” a apresentação de comprovativo de que procedeu à liquidação ou depósito do valor em dívida para com o senhorio, será de concluir que o arrendatário vê o seu direito ao contraditório restringido, daí resultando que este último fica irremediavelmente privado de invocar outras causas que, a final, obstassem ao seu imediato despejo. Assim sendo, na medida em que desta interpretação do artigo 14.º, do n.º 4, do NRAU resulta uma res- trição dos meios de defesa a serem exercidos por uma das partes num determinado incidente processual, tal configura necessariamente uma restrição ao princípio da proibição da indefesa com a configuração normativa acima descrita e extraível do artigo 20.º, n. os 1 e 4, da Constituição. Importa, por isso, aferir se esta restrição encontra fundamento bastante na Lei Fundamental por ter em vista a prossecução de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que justifiquem a sua existência e respetiva intensidade. 18. Não é de negar que a interpretação normativa em escrutínio nos presentes autos, ao reduzir signifi- cativamente o contraditório do arrendatário em “incidente de despejo imediato” provocado pelo não paga- mento das rendas devidas por um período igual ou superior a dois meses, terá em vista, desde logo, a pros- secução do valor constitucional da celeridade processual, tutelado pelo artigo 20.º, n.º 5, da Constituição. Neste sentido, visto que o “incidente de despejo imediato” corresponde a um meio de reação à não liqui- dação das rendas vencidas no decurso de ação de despejo, compreende-se que o legislador o configure como um incidente de tramitação simples e célere, procurando-se evitar que o arrendatário mantenha o gozo do prédio na pendência da ação de despejo sem que o senhorio seja devidamente remunerado [neste sentido, ainda sobre o artigo 58.º do RAU, António Pais de Sousa afirma com particular acuidade que o incidente despejo imediato responde à eventual delonga da ação de despejo, procurando-se evitar que «[U]m arrendatário menos sério, ou porque soubesse antecipadamente a sua falta de razão, ou por outro motivo, podia aproveitar-se da demora da lide para não pagar as rendas, que entretanto, se fossem vencendo, mas sem deixar de se aproveitar do prédio» (cfr. Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano, 6.ª edição actualizada, Reis do Livros, Lisboa, 2001, p. 174)]. Estamos, aliás, na sua globalidade, perante um fim que vem modelando a recente evolução do regime substantivo mas também processual dos contratos de arrendamento, em especial no plano da agilização, judi- cial e extrajudicial, dos meios de reação do senhorio perante o incumprimento do contrato pelo arrendatário. Esta foi reconhecidamente uma das principais finalidades prosseguidas pelo Novo Regime do Arrendamento Urbano, bem como das alterações promovidas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, pelo que não se ignora que a interpretação do artigo 14.º, n.º 4, agora em crise, encontra suporte num regime cuja arquitetura, subs- tantiva e processual, tem sido delineada em função de reais preocupações de celeridade na tutela do direito de propriedade do senhorio – que encontra, por si, proteção constitucional (artigo 62.º, n.º 1, da Constituição) – nos casos de incumprimento contratual por parte do arrendatário. 19. No entanto, será de rejeitar que a tramitação célere deste incidente, destinado à recuperação da posse do imóvel pelo senhorio, justifique uma privação quase absoluta do exercício do contraditório pelo arrendatário. De facto, perante a interpretação normativa do artigo 14.º, do n.º 4, do NRAU em escrutínio, o arren- datário teria, ao seu abrigo, apenas uma única forma de “reação”: proceder ao pagamento ou depósito das rendas vencidas, e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova desse facto nos autos. Ou

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