TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
392 diverso do arrendamento, que legitimaria a ocupação do local pela interveniente processual, se for requerido pelo autor o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da acção, o único meio de defesa do detentor do local é a apresentação de prova, até ao termo do prazo para a sua resposta, de que procedeu ao pagamento ou depósito das rendas em mora e da importância da indem- nização devida». E fê-lo, em síntese, com a fundamentação que agora se transcreve: «A questão que constitui objecto do presente recurso consiste, assim, na constitucionalidade da interpretação do artigo 58.º do RAU segundo a qual, mesmo que na acção de despejo persista controvérsia quer quanto à iden- tidade do arrendatário, quer quanto à existência de acordo, diverso do arrendamento, que legitimaria a ocupação do local pela interveniente processual, se for requerido pelo autor o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da acção, o único meio de defesa do detentor do local é a apresenta- ção de prova, até ao termo do prazo para a sua resposta, de que procedeu ao pagamento ou depósito das rendas em mora e da importância da indemnização devida. 2.3. A recorrente alega que a interpretação normativa impugnada viola os princípios do Estado de Direito democrático [artigos 2.º e 9.º, alínea b) , da CRP], da igualdade (artigo 13.º da CRP), da força jurídica dos precei- tos constitucionais e da inadmissibilidade de restrições aos direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º da CRP) e do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º da CRP). Entende-se, porém, que o parâmetro constitucional mais pertinente se centra no princípio da proibição da indefesa, que decorre, em primeira linha, do princípio do contraditório, a que se deve subordinar todo o processo, uma vez iniciado. Como refere Carlos Lopes do Rego (“Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime de citação em processo civil”, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, 2003, pp. 835-859): “A garantia da via judiciária – ínsita no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e a todos conferida para tutela e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos – envolve, não apenas a atribuição aos interessados legítimos do direito de acção judicial, destinado a efectivar todas as situações juridicamente relevantes que o direito substantivo lhes outorgue, mas também a garantia de que o processo, uma vez iniciado, se deve subordinar a determinados princípios e garantias fundamentais: os princípios da igualdade, do contraditório e (após a revisão constitucional de 1997) a regra do «processo equitativo», expressamente consagrada no n.º 4 daquele preceito constitucional”, sendo do princípio do contraditório que “decorre, em primeira linha, a regra fundamental da proibição da indefesa”. (…) Fazendo aplicação destas considerações ao caso ora em análise, surge, de forma ostensiva, como uma restri- ção constitucionalmente intolerável do direito de defesa a limitação, no incidente de despejo imediato por falta de pagamento de rendas na pendência de acção de despejo, das possibilidades de defesa do requerido à alegação e prova de que, até ao termo do prazo para a sua resposta, procedeu ao pagamento ou depósito das rendas em mora e da importância da indemnização. Tal meio de defesa é manifestamente desajustado em todos os casos em que justamente se questiona o próprio dever de pagamento de determinada renda, seja por que fundamento for (inexistência de contrato de arrendamento válido, não serem autor e/ou réu os verdadeiros locador e/ou locatário, dissídio quanto ao montante da renda ou da sua imediata exigibilidade, invocação de diverso título para justificar a ocupação do local). No presente caso, em que, para além da controvérsia sobre a qualidade de locatária da primitiva ré, a interveniente (ora recorrente) sustenta o seu direito de ocupação do local em contrato promessa de compra e venda que teria celebrado com o autor, com consequente inexistência do dever de pagamento de rendas, sendo as entregas de valor feitas imputadas no pagamento do preço de compra, questão que se encontrava ainda pendente quando foram proferidas as decisões das instâncias ora em causa, é óbvia a desadequação e inefectividade do único meio de defesa que foi reconhecido à recorrente: a prova do pagamento ou depósito das rendas pretensamente em falta, acompanhada da indemnização devida.
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