TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

39 acórdão n.º 420/18 ou seja, que a inclusão da matéria na reserva de competência, in casu relativa, da AR é in totum (neste sen- tido, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Vol. III, Tomo V, Atividade Constitucional do Estado , Coimbra, Coimbra Editora, 2014, n.º 68, p. XXX ou Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Volume II, Organização Económica, Organização do Poder Politico, artigos 80.º a 201.º, 2.ª edição, Lisboa, UCP, 2018, Anotação ao artigo 164.º, III, p. 529). A cláusula de reserva relativa prevista na alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, invocada como fundamento determinante de inconstitucionalidade nos presentes autos, assume relevância no quadro da garantia constitucional da autonomia do poder local, tal como resulta do regime constitucional contido no seu Título VII, dedicado ao Poder Local, e artigos que o integram (artigos 235.º a 262.º) – e que permi- tem apreender, como sustenta a doutrina (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição... , Anotação ao artigo 165.º, I, pp. 543-544) – mas sem esgotar –, o significado e alcance da matéria integrada na reserva prevista naquela alínea q) . Com efeito, o pedido de apreciação da constitucionalidade da norma sub judice reporta-se à violação das regras de competência legislativa em matéria de estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finan- ças locais, relevando a reserva parlamentar decorrente da norma prevista no artigo 165.º, n.º 1, alínea q) , da Constituição – que atribui à Assembleia da República o poder de legislar naquela matéria ou de autorizar o Governo a fazê-lo –, sendo a este respeito expressamente vedada a competência legislativa das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas por via da exceção contida no n.º 1, alínea b) , in fine, do artigo 227.º. Assim, para avaliar se o poder normativo regional, tal como exercido, plasmado na norma ora sindicada, afronta a reserva de competência da Assembleia da República, é necessário compreender o âmbito da reserva legislativa parlamentar em causa, ou seja, o que se entenda incluído na norma constitucional alegadamente preterida com a aprovação da norma ora em crise – a partir da jurisprudência deste Tribunal sobre a garantia constitucional da autonomia local em geral e sobre a concreta cláusula de reserva legislativa da AR em maté- ria de estatuto das autarquias locais. Tenha-se, pois, presente que o princípio constitucional da autonomia local, enquanto conceito aberto e, em grande medida, relacionado ou sofrendo o influxo de outros princípios constitucionais, como o princípio da descentralização, assume uma vertente garantística que se traduz na específica delimitação dos poderes de normação em matéria de estatuto das autarquias locais, tal como formulada na norma competencial da Assembleia da República ora em análise. 18.2. A entender-se a cláusula de reserva de competência legislativa por referência à garantia constitucio- nal da autonomia das autarquias locais, tenha-se em vista que o princípio da autonomia local se apresenta, no quadro jurídico-constitucional português, como um princípio jurídico ordenador e estruturante da organização – política, administrativa, territorial (qualificando a autonomia municipal como autonomia político-adminis- trativa, André Folque, A Tutela Administrativa nas Relações entre o Estado e os Municípios (Condicionalismos Constitucionais), Coimbra Editora, Coimbra, 2004, pp. 116 e seguintes) – do Estado português (sobre o tema, desenvolvidamente, José de Melo Alexandrino, Direito das Autarquias Locais , in Paulo Otero/Pedro Gonçalves (coord.), Tratado de Direito Administrativo Especial, Volume IV, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 11-299, em especial, pp. 77 e seguintes), compreensivamente entendido na relação com outros princípios fundamentais (de que se destacam os princípios da descentralização administrativa, da unidade do Estado, do Estado de direito democrático, da democracia, do pluralismo, da participação, da subsidiariedade), a que a Constituição se refere como dimensão da organização do Estado unitário (artigo 6.º, n.º 1) e componente da organização democrática do Estado (artigo 235.º, n.º 1), estabelecendo, a seu respeito, reservas de lei (designadamente nos artigos 236.º, n. os 3 e 4, 237.º, n. os 1 e 2, 238.º, n. os 2 e 4, 239.º, n.º 4, 240.º, n.º 2, 242.º, n. os 1 e 2, e 243.º), em especial, reservas de competência legislativa parlamentar, absolutas e relativas [artigo 164.º, alínea l) , m) , n) e r) e artigo 165.º, n.º 1, alíneas q) , r) e aa) ] e erigindo a garantia da autonomia das autarquias locais a limite material de revisão constitucional [artigo 288.º, alínea n) ].

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