TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
384 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL preocupações de celeridade na tutela do direito de propriedade do senhorio – que encontra, por si, proteção constitucional – nos casos de incumprimento contratual por parte do arrendatário. III – No entanto, será de rejeitar que a tramitação célere deste incidente, destinado à recuperação da posse do imóvel pelo senhorio, justifique uma privação quase absoluta do exercício do contraditório pelo arrendatário; perante a interpretação normativa do n.º 4 do artigo 14.º do NRAU em escrutínio, o arrendatário teria, ao seu abrigo, apenas uma única forma de “reação”: proceder ao pagamento ou depósito das rendas vencidas, e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova desse facto nos autos, resultando de tal interpretação que a tutela da posição jurídica do arrendatário fica legalmente limitada a uma de duas hipóteses: ou o arrendatário procede à junção aos autos de com- provativo de que liquidou ou depositou as verbas (alegadamente) em dívida, e evita, pelo menos nesse momento, o despejo ao abrigo do incidente; ou não procede à junção desse comprovativo e sujeita- -se, irremediavelmente, ao seu despejo imediato do prédio, sem que possa invocar, junto do tribunal, outra causa que o evite. IV – Os fins de reconhecida dignidade constitucional que esta interpretação do artigo 14.º, n.º 4, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, prossegue não são, por si só, suficientes para justificar uma restrição quase absoluta do direito ao contraditório do arrendatário; e ainda que a atual obrigação de redução a escrito do contrato de arrendamento urbano possa mitigar a relevância de consentir o contraditório ao arrendatário no âmbito do “incidente de despejo imediato”, em especial por relação com preté- ritas dúvidas quanto à existência de uma relação contratual entre as partes processuais, este aspeto não esgota os fundamentos que o arrendatário pode invocar como forma de obstar ao seu despejo, e, sobretudo, que o tribunal possa apreciá-los com a celeridade compatível com a natureza do inciden- te, decidindo sobre a sua procedência e, consequentemente, pelo deferimento ou indeferimento do requerimento de despejo apresentado pelo senhorio. V – A relevância de permissão do contraditório assume contornos mais evidentes na medida em que, face ao modo como o legislador configurou o “incidente de despejo imediato”, o decretamento do despejo imediato consumirá a eventual falta de fundamento da ação de despejo, ou seja, mesmo nos casos em que a ação de despejo pudesse ser manifestamente improcedente, o não pagamento ou depósito das rendas vencidas durante a sua pendência justificaria sempre o despejo imediato ao abrigo do inci- dente; caso não se permita o exercício do contraditório, o locatário poderá ser sujeito a um despejo imediato sem que tenha tido qualquer oportunidade processual para obstar à pretensão do locador. VI – A alteração promovida pelo legislador em 2012 ao n.º 5 do 14.º da Lei n.º 6/2006, é tudo menos irre- levante para a apreciação da interpretação normativa objeto do presente recurso, por aí se ter expressa- mente introduzido a possibilidade de o requerimento apresentado pelo senhorio ser indeferido; o legis- lador caminhou no sentido de afastar que o despejo imediato do arrendatário seja tido como um efeito automático decorrente da não junção de comprovativo de pagamento ou depósito das quantias alega- damente em dívida, decorrendo da aplicação conjugada dos n. os 4 e 5 do artigo 14.º da Lei n.º 6/2006 que o legislador, ao atribuir ao juiz a possibilidade de deferir ou indeferir o requerimento apresentado pelo senhorio («em caso de deferimento do requerimento»), será porque necessariamente admite que o pedido do despejo imediato possa ser indeferido mesmo que o arrendatário não cumpra com a obrigação de junção de comprovativo de liquidação das quantias (alegadamente) em dívida; ou seja, o quadro legal atualmente em vigor afasta o automatismo do despejo imediato, dando ao julgador todas as ferramentas para fazer dele uma boa interpretação do direito, em plena conformidade com a Constituição.
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