TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
380 a poupança fiscal que os beneficiários do RFAI planearam para os cinco anos após o investimento relevante. Esse limite, imposto pelo n.º 1 do artigo 92.º do CIRC, na dimensão normativa impugnada, poderia ser mantido através da introdução de medidas de transição que permitissem balancear e equilibrar o interesse na redução dos benefícios com as expectativas de manutenção das condições em que anteriormente foram concedidos. Quer as finalidades extrafiscais que ditaram o RFAI, que subsistiam no momento em que se procedeu à alteração daquele preceito, quer as particulares características dos benefícios já adquiridos – indu- tores, temporários, condicionais e bilaterais –, justificavam a edição de um regime de transição que suavizasse a gravidade da lesão causada pela nova norma. Porém, a norma em escrutínio não deu qualquer relevância ao contrapeso valorativo da confiança dos contribuintes que atuaram nas condições previstas no RFAI, sendo certo que podia e devia ponderá-lo. Com efeito, o objetivo de aumentar a receita fiscal do IRC por via menos agressiva dos interesses e da confiança dos investidores podia ser alcançado de vários modos: prolongar o prazo de caducidade dos benefícios fis- cais, permitir a dedução à coleta do crédito remanescente em posteriores exercícios, compensar a redução da percentagem da coleta utilizável pelos benefícios fiscais com vantagens fiscais de outra natureza, etc. Por exemplo, a compressão da coleta de IRC anualmente disponível para a utilização do crédito de imposto acarreta sempre prejuízos aos contribuintes que, por insuficiência de coleta, não o podem abater no ano do investimento; mas a extensão do prazo de reporte do crédito sobrante, em virtude da diminuição da coleta de IRC disponível para o efeito, já tolerava a frustração da confiança legítima depositada no regime anterior, pois ainda assim permitia que o benefício concedido pudesse ser integralmente aproveitado. Repare-se que o legislador, quando em 2013 integrou o RFAI no Código Fiscal do Investimento, excluindo-o do âmbito de aplicação do n.º 1 do artigo 92.º, acabou por reconhecer implicitamente o carác- ter excessivamente oneroso que representava a desarticulação entre o limite geral da coleta utilizável para benefícios fiscais e outras realidades (10%) e o limite específico de dedução à coleta do RFAI (25%); senão mesmo arbitrário em relação a benefícios fiscais com idênticas finalidades e características, como era o caso do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE), que desde a sua criação esteve sempre excluído do regime do resultado da liquidação [alínea b) do n.º 2 do artigo 92.º do CIRC]. E em 2014 aprovou o novo CFI – Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro –, estabelecendo que o benefício de dedução à coleta que não possa ser integralmente aproveitado, por insuficiência de coleta, poderá sê-lo nos 10 períodos de tributação seguintes (artigo 22.º n.º 3). Alargamento do prazo de caducidade que se justifica, porque os investimentos relevantes representam elevados custos fiscais suscetíveis de originar resultado negativo no exercício em que são realizados, o que dá direito ao reporte nos cinco períodos seguin- tes (artigo 52.º do CIRC), afetando desse modo a coleta disponível para utilização dos benefícios fiscais. Ora, sem a adoção de medidas que minimizem os prejuízos causados, a norma impugnada onera exces- sivamente as expectativas dos contribuintes que confiram na manutenção das condições em que efetuaram investimentos relevantes para a concessão dos benefícios fiscais previstos no RFAI. Verifica-se, pois, no caso dos autos, intoleráveis efeitos retroativos da norma impugnada e, consequentemente, inconstitucionalidade por violação do princípio da proteção da confiança. A verificação desta inconstitucionalidade torna inútil o conhecimento da alegada violação do direito de propriedade, previsto no artigo 62.º da CRP. III – Decisão Pelo exposto, decide-se: a) Não admitir o recurso de constitucionalidade em relação à norma extraída do n.º 1 do artigo 11.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, republi- cado pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho;
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