TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
38 Ora, não obstante apontar a doutrina a dificuldade de se descortinar o critério que presidiu à delimita- ção das matérias reservadas relativamente à competência legislativa da Assembleia da República suscetíveis de delegação legislativa às Assembleias Legislativas Regionais e das matérias em que tal se mostra vedado (assim, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, Anotação ao artigo 228.º, p. 360 e J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , Vol. II, 4.ª edição, 2010, Anotação ao artigo 227.º, p. 667), certo é que, por referência à matéria prevista na alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição (estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais), entendeu o legislador de revisão constitucional, em 2004, manter a mesma na esfera de competência legislativa dos órgãos de soberania (Assembleia da República e Governo, mediante autorização parlamentar), sem possibilidade de a respetiva normação ser feita ao nível regional, mesmo com autorização. Note-se apenas que, sem prejuízo dos poderes cometidos pela Constituição às Regiões Autónomas na relação com as autarquias locais, como os poderes de criar e extinguir autarquias locais, bem como modificar a respetiva área, nos termos da lei [artigo 227.º, n.º 1, alínea l) ], de exercer tutela sobre as autarquias locais [ idem , alínea m) ] e de elevar povoações à categoria de vilas ou cidades [ idem , alínea n) ], as matérias constitu- cionalmente previstas referentes às autarquias locais – como as eleições e o estatuto dos eleitos locais [artigo 164.º, alíneas l) e m) ], o regime de criação, extinção e modificação das autarquias locais [artigo 164.º, alínea n) ] e a respetiva criação, extinção e modificação no território continental ( idem ), o regime da elaboração e organização dos orçamentos das autarquias locais [artigo 164.º, alínea r) ], o estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais [artigo 165.º, n.º 1, alínea q) ], a participação das organizações de moradores no exercício do poder local [artigo 165.º, n.º 1, alínea r) ] e regime e forma de criação das polícias municipais [artigo 165.º, n.º 1, alínea aa) ] – mostram-se reservadas à competência legislativa da Assembleia da República, absoluta e relativa, sem possibilidade de autorização às Assembleias Legislativas Regionais, termos em que, por força do disposto nos artigos 227.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 228.º, n.º 1, da Constituição, o enquadramento infraconstitucional das autarquias locais – sem excecionar as autarquias locais existentes nas Regiões Autónomas – assume um carácter unitário, de âmbito nacional, decidido no plano parlamentar nacional. Esta opção do legislador constituinte (e de revisão), que se afigura decorrer da compreensão da autono- mia das autarquias locais (e da sua existência) no quadro do Estado unitário (artigo 6.º da Constituição) e na organização democrática do Estado (artigo 235.º, n.º 1), aponta para a igualdade estatutária das autarquias locais existentes (municípios e freguesias), diferenciando o continente e as Regiões Autónomas tão só quanto à existência das (ainda não criadas) regiões administrativas (artigo 236.º, n. os 1 e 2). No demais, as condições específicas das «ilhas» poderão determinar o estabelecimento, por lei, de outras formas de organização terri- torial autárquica (artigo 236.º, n.º 3), que não os atualmente previstos municípios e freguesias. Neste quadro, há que determinar se a matéria sobre que incide a norma sindicada, com o sentido e alcance acima indicados, se pode incluir [para efeitos do disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea a) , parte final, da Constituição] no âmbito da reserva relativa de competência legislativa da AR prevista no referido artigo 165.º, n.º 1, alínea q) , da Constituição, de modo a aferir-se do respeito pelo limite negativo de competência acima assinalado que veda o poder legislativo regional nas matérias reservadas à competência dos órgãos de soberania. Para o efeito, cumpre começar por abordar a questão da reserva de competência legislativa da AR e, con- cretamente da reserva relativa de competência legislativa no que ao estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais, diz respeito – prevista na alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição [correspondente à alínea s) do n.º 1 do artigo 168.º na versão anterior à revisão constitucional de 1997] – norma invocada pelo requerente como fundamento do pedido. 18.1. A alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição reserva para a AR a definição do «Estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais», sem limitação (às «bases gerais» ou ao «regime geral»), assim significando à partida que deve ser a AR a definir todo o regime legislativo daquela matéria,
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