TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
379 acórdão n.º 309/18 O que importa averiguar é se a norma questionada, ao limitar o direito ao reporte do crédito fiscal decorrente do RFAI, traduz uma afetação excessiva, intolerável e inadmissível das expectativas legítimas que os beneficiários detinham na manutenção das condições em que o reporte podia ser exercido. A frustração das expectativas é evidente: se antes podiam abater o benefício fiscal até 25% da coleta do IRC e com a mudança do regime legal impugnado apenas podem deduzi-lo até à concorrência de 10%. Ora, o peso e a urgência dos interesses públicos prosseguidos pela norma impugnada não justificam uma intervenção tão limitativa dos interesses dos beneficiários do RFAI. Com efeito, o confronto do tipo de benefício fiscal afetado com a importância e premência daqueles interesses públicos conduz a um resultado excessivo, inaceitável e intolerável. A interpretação normativa impugnada – que inclui o RFAI no âmbito do n.º 1 do artigo 92.º do CIRC – exige de mais, porque o fim a que se destina podia ser alcançado por via menos agressivas da confiança dos beneficiários do RFAI. De facto, as características do benefício fiscal atingido pela norma – temporário, condicionado, dinâ- mico e bilateral – põem em luz parâmetros materiais e axiológicos que não toleram modificações que agra- vem excessivamente os beneficiários. A concessão do benefício fiscal exige uma ação especial do contribuinte – a realização de investimentos relevantes em determinada região que geram postos de trabalho – que implica encargos e riscos económicos; a ação é estimulada e induzida pelo Estado para a realização de interesses constitucionalmente relevantes, superiores aos que fundamentam a própria tributação; o beneficiário fica vinculado a manter na empresa e na região durante cinco anos os bens objeto de investimento; durante esse período pode exercer o benefício concedido até à concorrência de 25% da coleta de IRC, em caso de insufi- ciência da mesma em cada período de tributação; a concessão do benefício fiscal implica renúncia do Estado a receita fiscal correspondente a 10% ou 20% do investimento relevante, conforme superior ou inferior a cinco milhões de euros. Nestas condições, a concessão do benefício fiscal, para além do direito ao benefício, gera expectativas legítimas muito intensas de manutenção das condições do seu exercício no prazo preestabelecido. Não obs- tante a mais ampla liberdade de conformação dos benefícios fiscais, o Estado tem o dever de respeitar os compromissos assumidos e a boa fé ( pacta sunt servanda ) de quem confiou na reciprocidade de vantagens e ónus. Não é admissível que o Estado “induza” o contribuinte a colaborar com o seu património numa fina- lidade pública a troco de vantagens tributárias, renunciando a um determinado montante de receita fiscal, e antes do termo preestabelecido venha alterar as condições oferecidas, prejudicando o seu aproveitamento. A modificação unilateral desse “acordo tácito” representa uma inadmissível frustração da confiança, um venire contra factum proprium , que agrava os contribuintes que depositaram confiança na “oferta” legislativa. Nem se argumente que a possibilidade de reportar o crédito de IRC sobrante por três ou quatro anos após a alteração do artigo 92.º do CIRC, relativo a investimentos realizados em 2009 e 2010, torna a medida menos lesiva da confiança dos beneficiários do RFAI. É que para efeitos de proteção da confiança não é irrelevante que a coleta reservada para abater o crédito do imposto seja de 10% ou 25%. Essa possibilidade só existe em caso de insuficiência da coleta, o que pode ocorrer naqueles períodos de tributação, até porque o crédito de RFAI não concorre sozinho na utilização daquela percentagem. De modo que a diminuição acentuada da margem de utilização da quota de IRC disponível para utilização dos benefícios fiscais pode conduzir à extinção, por caducidade, do benefício fiscal em condições que os beneficiários não podiam pre- ver. Ou seja, a poupança fiscal que as empresas planearam realizar durante cinco anos, atuando dentro do quadro jurídico estabelecido no RFAI, condição necessária para obtenção de segurança jurídica, não pode ser obtida em virtude da modificação introduzida pela norma impugnada. A frustração do aproveitamento do crédito de imposto e do tax planning dos investidores adquire parti- cular intensidade quando se verifica que a norma impugnada exige de mais, na medida em que se verifica que os interesses públicos por ela visados podiam ser obtidos sem agravar excessivamente as expectativas legítimas que o RFAI criou. Na verdade, o limite à relevância dos benefícios fiscais, através da fixação da taxa efetiva mínima de IRC de 22,5%, com o objetivo de aumentar a receita fiscal, poderia ser conseguido sem prejudicar excessivamente
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