TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
374 De modo que a interpretação normativa questionada, segundo a qual o RFAI está incluído no âmbito do n.º 1 do artigo 92.º do CIRC, atinge os contribuintes que, por insuficiência de coleta, não puderam deduzir integralmente o benefício antes da entrada em vigor do limite de 10% à utilização de benefícios fiscais dedutíveis à coleta de IRC. Apesar do n.º 3 do artigo 3.º do RFAI preceituar que a importância ainda não deduzida, por insuficiência de coleta, pode sê-lo, «nas mesmas condições», nas liquidações dos quatro anos seguintes, a verdade é que, em virtude da modificação normativa, essa dedução não pode ser feita nas mesmas condições, ou seja, até à concorrência de 25% da coleta de IRC dos anos de 2011 e seguintes, mas apenas até ao limite de 10% dessa coleta. Assim sendo, os contribuintes que por causa do benefício conce- dido pelo RFAI realizaram investimentos relevantes são afetados pela nova norma, já que o direito ao reporte do benefício remanescente não pode ser exercido até à concorrência de 25% da coleta de IRC, como previsto no RFAI, mas apenas até 10% dessa coleta, como determinou a nova regra do resultado da liquidação. Coloca-se, assim, o problema de saber se um benefício fiscal concedido num determinado momento pode ser alterado por uma lei que se aplica apenas depois da sua entrada em vigor, mas que abranja sujeitos passivos que já estejam a aproveitar o benefício. Verifica-se um nexo retroativo porque, apesar da modificação legislativa do resultado da liquidação só se aplicar para o futuro, para as liquidações do IRC dos exercícios de 2011 e seguintes, está-lhe inerente uma referência ao passado, na medida em que reduz a percentagem de utilização da coleta de IRC por parte do benefício fiscal anteriormente adquirido. É que o benefício fiscal, na modalidade de dedução à coleta, adquire-se com a verificação dos pressupos- tos objetivos e subjetivos previstos no RFAI (artigo 12.º do EBF). O facto constitutivo da dedução à coleta, de que decorre a constituição da relação jurídica de benefício fiscal, consiste na realização de investimentos relevantes num determinado período de tributação do IRC. O sujeito passivo que, induzido pelas medidas do RFAI, efetue investimentos considerados relevantes que proporcionem a criação de postos de trabalho adquire automaticamente ( ope legis ) o direito a deduzir na coleta de IRC do ano do investimento e nos quatro anos posteriores uma percentagem do investimento realizado. Como está articulado, orgânica e sistematicamente, com o IRC, o direito à dedução à coleta apenas pode ser exercido em conjugação com a ocorrência do facto jurídico tributário que está na origem desse tributo. Todavia, o facto de atuar em conjunto com as regras de tributação do IRC, visando desagravar o respetivo tributo, não significa que o direito ao benefício apenas surja com a formação do rendimento tribu- tável. Tratando-se de benefícios fiscais temporários, condicionados e dinâmicos, o direito ao benefício nasce na esfera jurídica do contribuinte independentemente da ocorrência de factos geradores daquele imposto. O “estímulo”, a “condição” e o “prazo certo” são elementos do benefício fiscal que relevam na formação de uma situação jurídica individualizada, de natureza paracontratual, que é fundamental à configuração do direito ao benefício. A concessão do benefício fiscal por determinado prazo e mediante certas condições, faz nascer para o beneficiário que as cumpra o direito a disfrutar, naquele tempo, das vantagens concedidas. Como refere Nuno Sá Gomes, «se os contribuintes preencherem os pressupostos objetivos ou subjetivos do estímulo, daí decorre que adotaram o comportamento desejado, pelo que em contrapartida, adquirem o direito ao benefício, que emerge, portanto, da proposta ao público, isto é, do estímulo, incentivo ou medida dinâmica de fomento fiscal direto, cuja aceitação pelo contribuinte, torna irrevogável o benefício fiscal, em vista do acordo tácito que este mecanismo estimulante supõe» ( ob. cit. n.º 362, p. 249). Portanto, apenas o exercício do direito de dedução à coleta está dependente da existência de coleta sufi- ciente no ano do investimento e nos quatro anos seguintes. Estabelecendo o RFAI que a dedução à coleta deve ser efetuada na liquidação respeitante ao período de tributação do ano em que se realiza o investimento e que o restante crédito de imposto pode ser exercido nos anos seguintes, a alteração normativa impugnada acaba por atingir benefícios fiscais constituídos no passado, mas que ainda não foram integralmente exerci- dos por insuficiência de coleta no respetivo ano de tributação. Não se questiona a constitucionalidade da norma da “limitação de benefícios fiscais” extraída do n.º 1 do artigo 92.º do CIRC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, mas tão-somente os efeitos retroativos que tal norma determina. Por isso, a validade constitucional da eficácia
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