TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
365 acórdão n.º 309/18 o objeto do recurso definido e delimitado pelo sentido com a norma foi tomada no caso concreto, há três observações a fazer sobre interpretação normativa que a recorrente formula como objeto do recurso. Em primeiro lugar, faz parte do enunciado formulador «a norma constante do artigo 99.º, n.º 1, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro», que procedeu à alteração do n.º 1 do artigo 92.º do Código do IRC. Ora, em virtude dessa alteração, a fonte jurídica interpretanda, que fornece o critério jurídico de decisão do caso concreto, passou a ser o preceito do CIRC. Como o recurso de constitucionalidade incide sobre normas ou sobre o resultado de uma dada interpretação judicial da norma e não sobre os preceitos que a suportam, a referência àquele artigo 99.º tem apenas o sentido de assinalar a fonte que deu novo significado normativo ao n.º 1 do artigo 92.º do CIRC. Ora, foi desta disposição que a decisão arbitral obteve o critério normativo que a levou a julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação adicional ao IRC. De modo que o recurso de constitucionalidade, reportado a determinada interpretação normativa, não pode deixar de incidir sobre esse critério jurídico, independentemente da forma como foi revelado. Em segundo lugar, a recorrente impugna o sentido normativo “que diminui a margem da coleta do IRC suscetível de ser consumida por benefícios fiscais, incluindo o Regime Fiscal de Apoio ao Investimentos (RFAI), de 25% (em vigor em 2010) para 10% da coleta do IRC”. Porém, a decisão recorrida não aplicou o n.º 1 do artigo 92.º do CIRC com sentido tão extenso: nem se refere a todos os benefícios fiscais, nem a todos que estão previstos no RFAI. O contexto argumentativo utilizado pela recorrente e a decisão recorrida identificam como objeto de referência (e de aplicação) apenas o benefício fiscal de dedução à coleta de IRC, previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do RFAI. Assim, a interpretação normativa impugnada deve ter por objeto o conteúdo significativo do n.º 1 do artigo 92.º do CIRC quando aplicado a esse tipo de bene- fícios fiscais. Em terceiro lugar, a interpretação normativa especificada pela recorrente, por deficiência de formulação, exprime um sentido que não coincide estritamente com a interpretação que o tribunal fez da norma contida no n.º 1 do artigo 92.º do CIRC, nem com o que por ele foi dito e querido. Com efeito, a referência ao RFAI, sem qualquer outra predicação ou menção do contexto em que é enunciado, dá a entender que se con- sidera inconstitucional a inclusão do RFAI no âmbito aplicativo do preceito, independentemente do facto beneficiado ter sido praticado antes ou depois da modificação normativa operada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro. Ora, o que foi julgado pelo tribunal, no quadro da causa de pedir definida pela recorrente, é que o limite previsto na norma do n.º 1 do artigo 92.º também se aplica aos benefícios fiscais concedidos pelo RFAI, na modalidade de dedução à coleta de IRC, por investimentos efetuados antes da entrada em vigor daquela lei. A recorrente, desde a petição inicial até às alegações do presente recurso, reportou sempre a questão de constitucionalidade à inclusão dos benefícios fiscais por investimentos realizados em 2009 e 2010 no limite do n.º 1 do artigo 92.º do CIRC. Portanto, a identidade normativa que deve existir entre a interpretação da norma e a interpretação que o tribunal, ao julgar o caso, fez de tal norma, implica que se restrinja a formulação da recorrente aos benefícios fiscais concedidos em sede RFAI por investimentos efetua- dos antes da entrada em vigor da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, ou seja, pelos que foram realizados em 2009 e 2010. Assim, é com esta extensão e limite que o Tribunal julgará a questão de constitucionalidade que lhe foi colocada. Mérito do recurso 7. Clarificado o objeto do recurso de constitucionalidade, cumpre apreciar se a norma do n.º 1 do artigo 92.º do Código do IRC, na redação que lhe foi dada pelo artigo 99.º, n.º 1, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, quando interpretada no sentido de diminuir a margem da coleta do IRC suscetível de ser consumida pelo RFAI de 25% para 10% da coleta do IRC, padece de inconstitucionalidade, por violação do princípio da proteção da confiança.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=