TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

36 efeito, mesmo que se considere intocado o poder de os municípios aderirem livremente ao regime em causa – e mesmo de fixarem outros critérios de referência para além dos previstos na lei –, ainda assim a norma sin- dicada sempre se traduziria numa alteração do equilíbrio fixado pelo regime geral no que respeita ao universo dos beneficiários – e com acrescido custo financeiro para os municípios. Isto na medida em que, mesmo que se admita ficar intocado o poder de adesão voluntária, por cada município territorialmente competente, ao regime em causa – aprovado pelo legislador para o território nacional e, por isso, respeitante a todos os municípios – a mera previsão pela norma sindicada da atribuição do direito em razão da qualidade de bombeiro (da RAM) vem alterar os moldes da previsão legal quanto ao universo de potenciais beneficiários da tarifa social na água – seja o universo ‘restrito’ resultante da aplicação estrita dos critérios de referência previstos no regime geral, seja o universo ‘alargado’ por força da determi- nação de novos critérios de referência por parte de cada município –, já que impõe a atribuição da tarifa social a um (outro) universo pré-determinado pela norma sindicada. Por outras palavras, uma vez verificada a adesão voluntária por um município, o universo de beneficiários sempre teria de incluir, ‘obrigatoriamente’, o universo dos bombeiros (de cada município) da RAM. Em suma, uma vez aderindo voluntariamente um município madeirense ao regime geral, não pode o mesmo deixar de atribuir a tarifa social na água em causa (também) aos respetivos bombeiros da RAM. Tanto basta para se concluir igualmente, também nesta outra interpretação da norma sindicada, pela afetação por esta da composição de interesses (nacional e locais) subjacente ao regime geral – que terá justi- ficado a aprovação de um regime uniforme para todo o território nacional e todos os municípios mediante autorização legislativa da Assembleia da República – e, assim, pela afetação do espaço de autonomia dos municípios, seja decisória, seja financeira, no que respeita à assunção de despesas e livre disposição das suas receitas a prossecução dos seus fins. Com efeito, as razões justificativas da necessidade de uma autorização legislativa para a aprovação pelo Governo do regime geral nacional constante do Decreto-Lei n.º 147/2017 impõem-se do mesmo modo, estando em causa a modificação do universo dos beneficiários possíveis de tal regime – ainda que destinada a produzir efeitos apenas numa região autónoma – por via da necessária inte- gração dos bombeiros do quadro de ativos, antes não contemplados enquanto tais. 16.3. Ora, em qualquer das referidas interpretações da norma, as conclusões alcançadas, no sentido da afetação (maior ou menor, consoante a interpretação que se perfilhe) do regime aplicável em matéria de tarifa social na prestação de serviços de águas e do espaço de autonomia decisória e financeira dos municípios, cujo estatuto se integra na reserva (relativa) de competência legislativa da Assembleia da República, afiguram-se determinantes para a análise da questão de constitucionalidade, a que se procede em seguida. C.3. Apreciação da questão de constitucionalidade: a violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais 17. Considerando o enquadramento jurídico da norma sindicada e da matéria sobre que a mesma versa, bem como o seu sentido e alcance, enquanto pressupostos, cumpre analisar a questão de constitucionalidade colocada pelo requerente. A questão de constitucionalidade, tal com colocada nos presentes autos, consiste em determinar se a norma sindicada versa sobre matéria que se encontra reservada à competência legislativa da Assembleia da República (AR), em concreto, por força da cláusula de reserva relativa de competência legislativa con- sagrada na alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, segundo a qual é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar, salvo autorização ao governo, sobre matéria e «Estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais» – matéria que, por força do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 227.º e do artigo 228.º, n.º 1, da Constituição, se encontra expressamente excluída da competência legislativa das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas por aí se afastar a possibilidade de uma lei

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