TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
359 acórdão n.º 309/18 Z) A primeira solução, sobretudo, seria perfeitamente neutra do ponto de vista dos objetivos do legislador que instituiu, em 2011, a compressão para 10% da coleta do IRC: ao longo de toda a vida do crédito de IRC do RFAI, nunca deixaria de ser utilizado mais do que o limite pretendido de 10% da coleta do IRC. AA) Tudo isto ainda assim traria prejuízo para a frustração da confiança do titular do crédito de IRC do RFAI: não é indiferente pagar menos IRC hoje via utilização de crédito, ou pagar menos daqui por uma meia dúzia de anos fruto da compressão, após a aquisição do crédito, da coleta de IRC anualmente disponível para a sua utilização. BB) Mas, pelo menos, a frustração da confiança não excederia o necessário para salvaguardar simultaneamente e em absoluto os interesses que com fixação de uma porção muito mais baixa da coleta anual de IRC disponível para o efeito (e outros), o legislador quis atingir: o objetivo de proteger, por necessidades orçamentais, os outros 90% da coleta do IRC, ano após ano. CC) E é de notar que o alargamento do prazo de utilização do RFAI (prazo de caducidade) ocorreu já entretanto, em 2014, num contexto em que nem sequer se põe a necessidade de salvaguardar direitos adquiridos – cfr. o artigo 23.º, n.º 3, do Código Fiscal do Investimento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, que para além do exercício em que se dá o próprio investimento, concede agora mais 10 anos para a utilização do RFAI relativo a novos investimentos (cfr., ainda, o artigo 6.º, n.º 2, do referido Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro). DD) Finalmente, é erróneo, não só no plano de se aquilatar de uma potencial violação constitucionalmente rele- vante do princípio da tutela da confiança, mas também no estrito plano civilístico, considerar que no caso não haveria ainda direito, crédito de IRC de RFAI, antes da geração de coleta de IRC que permite a satisfação desse crédito. EE) Também aqui se não pode acompanhar a decisão arbitral recorrida, porquanto, desde logo, este crédito de IRC caduca se ao fim 4 anos não houver coleta de IRC, não se concebendo como pode caducar algo que (na tese da proposição que se critica) ainda não existe. FF) Esta conceptualização da decisão arbitral contraria jurisprudência constitucional (citado Acórdão n.º 410/95) e tributária (acórdão do STA de 4 de março de 1998, proferido no recurso n.º 16.580, que aqui se juntou como Doc. n.º 2 e de que foi relator Jorge de Sousa), sobre o assunto. GG) Como parece medianamente evidente, o momento da aquisição do benefício fiscal (no que nestes autos releva, anos de 2009 e 2010, com a concretização nesses anos dos investimentos industriais a que estava condicionada a aquisição do benefício) não se confunde com o momento em que se criam condições para a sua utilização. E isso ainda mais é assim quando esteja em causa, como no caso, aferir de eventual violação do princípio da tutela da confiança no plano constitucional: o momento relevante é aquele em que, correspon- dendo ao incentivo legal, os destinatários do mesmo hajam cumprido com a contrapartida a que está sujeita a atribuição do benefício, numa palavra, o momento em que se deu o investimento de confiança. HH) Aliás, é precisamente porque há direito a partir do momento em que se encontram satisfeitos os pressupostos legais a que está condicionado o benefício (realização de investimento nas condições impostas, neste caso), que o mesmo é, a partir desse momento, contabilizado, nos termos da lei, como ativo, no balanço patrimonial do contribuinte. Pelo contrário, o momento em que o benefício é utilizado contra a coleta do IRC gerada em certo exercício, é o momento oposto ao da sua aquisição – é o momento da sua extinção ou morte, por fruição no caso. II) Do mesmo modo que a aquisição de um crédito comercial ou civil (por oposição a fiscal) não se confunde com o momento em que o mesmo é satisfeito, por sua vez na dependência da criação de condições patrimo- niais para a sua satisfação. Não se confunde a noção de aquisição de um direito, com a noção da sua fruição, exercício ou satisfação. JJ) Em conclusão, é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da tutela da confiança, da segu- rança jurídica e da proporcionalidade, que se retiram do artigo 2.º (Estado de Direito democrático) e 18.º, n. os 2 e 3, da Constituição, e bem assim por violação, sem justificação suficiente, do direito fundamental que é o direito de propriedade, previsto no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição (ablação com efeito expropriante
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