TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
358 cípio de que pacta sunt servanda com o consequente reconhecimento de que os «direitos adquiridos» ao abrigo destes incentivos fiscais «paracontratuais» não podem ser suprimidos, mesmo por lei posterior, ao contrário do que sucede com benefícios fiscais estáticos, dirigidos a situações já consumadas. E desta circunstância resulta ainda que as leis fiscais que suprimam incentivos fiscais, não obstante revogadas, não prejudicam os direitos adquiridos ao abrigo de lei fiscal anterior, com a consequente «ultra-actividade» respetiva»”. S) Esta concretização do princípio da tutela da confiança e da boa fé em sede de benefícios fiscais para-contra- tuais foi justamente aplicada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 410/95, de 28 de junho de 1995, a uma situação estruturalmente semelhante, em que o contribuinte tinha investido numa cooperativa de habitação social no quadro de um regime fiscal em que isso lhe concedia à data o direito (incentivo fiscal) de deduzir a contribuição para a cooperativa ao rendimento coletável do próprio ano e dos 3 seguintes, e em que num desses anos seguinte a AT veio defender que por mor de mudanças subsequentes na legislação isso tinha deixado de ser possível, negando-lhe a partir desse ano a referida dedução. T) Acresce ainda que, mesmo que se acrescente o fator “crise grave” e se ignore, do mesmo passo, que no caso concreto o RFAI foi introduzido já num quadro de crise económica e financeira (que, portanto, não o sur- preendeu) e justamente com o propósito de fazer frente a essa crise, U) Subsistira ainda assim a inconstitucionalidade, por violação para além do necessário (princípio da proporcio- nalidade) do mesmo princípio da tutela da confiança. V) É que o crédito de IRC por RFAI não é de utilização eterna. Ele tem de ser utilizado por referência ao próprio exercício fiscal da sua aquisição ou, caso a coleta de IRC disponível para o efeito seja insuficiente, num dos 4 exercícios seguintes. E depois deste prazo caduca, extingue-se, o crédito à utilização do crédito de IRC do RFAI (cfr. (artigo 3.º, n. os 2 e 3, do RFAI). W) Daí, pois, que seja tudo menos indiferente se essa coleta de IRC reservada para o efeito é de 10% apenas (valor estipulado pelo artigo 92.º do CIRC a partir de 2011) ou se, pelo contrário, é uma vez e meia superior a esse valor (25% da coleta do IRC, que era o valor previsto no artigo 92.º do CIRC em 2010, quando ocorreram investimentos geradores de crédito de IRC nesse ano, que sobrou para 2011 e anos seguintes) ou até 4 vezes superior a esse valor (40% da coleta do IRC, que era o valor previsto no artigo 92.º do CIRC em 2009 – e nos anos anteriores –, quando ocorreram também investimentos geradores de crédito de IRC nesse ano, que sobrou para 2010, 2011 e anos seguintes). X) Ora, mesmo que se aceite a legitimidade constitucional de atrasar por alguns anos, fruto da enorme com- pressão da percentagem da coleta do IRC disponível para o efeito, a utilização de créditos de IRC do RFAI adquiridos anteriormente a essa compressão, não é conforme ao princípio da proporcionalidade que essa compressão e consequente dilação no tempo da utilização desses de créditos de IRC do RFAI possam levar a uma sua extinção por caducidade que não ocorreria caso fosse respeitado o regime fiscal que os regia à data da sua aquisição (que possibilitava uma utilização anual do crédito de IRC quatro vezes maior em 2009 – 40% da coleta do IRC –, e uma vez e meia maior em 2010 – 25% da coleta do IRC –, quando comparados com a compressão para 10% da coleta do IRC ocorrida em 2011), como no caso concreto é já possível confirmar que se verifica. Y) São bem óbvias as cláusulas de salvaguarda que o legislador poderia ter instituído para evitar este efeito mais extremo, salvaguardando do mesmo passo o objetivo prosseguido com medida de compressão da utilização anual da coleta do IRC: ou estender o prazo de caducidade do RFAI (na mesma proporção em que com- primiu a coleta anual de IRC disponível para utilização desse crédito, e sem abdicar um milímetro da nova/ reduzida porção de apenas 10% da coleta do IRC reservada anualmente para o RFAI e outros benefícios), ou, caso optasse por manter o prazo do reporte nos 4 anos, instituir uma válvula de escape permitindo que no último ano desse prazo fosse utilizado todo o crédito de IRC do RFAI que teria sido possível utilizar caso a percentagem da coleta de IRC utilizável prevista no ano da sua aquisição não tivesse sido comprimida por legislação posterior.
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