TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
357 acórdão n.º 309/18 I) Com efeito, o sinalagma é neste caso especialmente intenso, porquanto o que foi oferecido por via de lei da Assembleia da República (redução do IRC via atribuição de créditos por investimento), com pedido de contrapartida (investimentos por empresas de sectores designados), e a adesão que esta proposta teve, ocorreu já num ambiente do conhecimento por todas as partes das dificuldades de crédito, da difícil situação da eco- nomia (daí o incentivo fiscal) e da difícil situação das finanças públicas portuguesas, e foi oferecido o que foi oferecido por causa justamente deste ambiente – para o combater. J) Não parece, pois, possível, sem distorcer a realidade, tentar justificar a redução em 2011 da coleta do IRC disponível para a generalidades dos benefícios fiscais, sem salvaguardar os créditos de IRC do RFAI anterior- mente adquiridos, com o imprevisto da crise económica e financeira e das medidas que a mesma exigiu. Isso poderá ser razão justificativa para muitos benefícios fiscais, mas não certamente para o RFAI, que é filho dessa crise e foi adotado como medida de combate à mesma, isto é, justamente por causa da mesma. K) Que não há razão de interesse público que justifique a modificação de direitos adquiridos ao abrigo do RFAI é também revelado, como já se viu escrito, pelo facto de o próprio legislador ter vindo a prorrogar sucessiva- mente e anualmente este incentivo, originariamente pensado para se aplicar apenas a investimentos realizados em 2009: se não considerasse que continuava a prevalecer o interesse extra-fiscal do RFAI (económico, de combate à anemia da economia), o legislador teria então optado por se abster de prorrogar o RFAI. L) Não se acompanha também a afirmação da decisão arbitral recorrida de que “Na verdade, sendo uma rea- lidade indelével a necessidade de rápida obtenção de receitas fiscais, é menos gravoso, a nível da frustração de expectativas em matéria de tributação do rendimento, reduzir benefícios fiscais do que agravar a normal tributação dos rendimentos”. M) Pois se os benefícios fiscais são, nas palavras, aliás, do próprio legislador, “medidas de carácter excecional insti- tuídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem” (cfr. artigo 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais ; sublinhado nosso), não se pode pô-los, como faz a afirmação supra transcrita, em plano inferior ao da “normal tributação dos rendimentos”. N) No mesmo sentido veja-se o voto de vencido no processo arbitral n.º 150/2012-T (que aqui se juntou como Doc. n.º 1, para facilidade de leitura), subscrito por Jorge Lopes de Sousa. Note-se ainda que além do mais estava aí em causa um benefício estático (em sede de IMI), isto é, para o qual irrelevava (não se solicitava) um qualquer comportamento futuro, ao contrário do que sucede com o RFAI. O) E menos ainda se pode pôr os benefícios fiscais com esse capitis diminutio a que faz apelo a decisão arbi- tral recorrida, no contexto de um benefício fiscal, como o RFAI, que exige contrapartidas (sinalagma/para- -contratualidade), e tem por propósito justamente aumentar a produção, isto é, aumentar o rendimento gerado em Portugal por todos os envolvidos no processo produtivo (a empresa que arrisca e investe e a cujo rendimento se dirige temporariamente o benefício, mas também os trabalhadores cujos rendimentos são tributados em IRS, e todos os fornecedores da empresa). P) O RFAI não é nenhum privilégio. Como bem lembrou um ilustre fiscalista, o RFAI exige contrapartidas tangíveis aos contribuintes que dele pretendam beneficiar, acabou inclusive por ganhar o estatuto de medida estrutural no leque dos nossos benefícios fiscais (cfr. a sua inclusão desde 2013 no Código Fiscal do Investi- mento), quando tinha nascido como medida anti cíclica, e a importância que o legislador lhe reconhece é de tal ordem que hoje, mais concretamente desde o Decreto-Lei n.º 82/2103 de 17 de junho, este benefício está já excluído da limitação à utilização da coleta constante do artigo 92.º do Código do IRC. Q) Nas palavras de Nuno Sá Gomes incentivos fiscais, medidas de fomento fiscal, “são um “ante” que pretende, em termos dinâmicos, de causa e efeito, determinar um “post” que é a atividade ou situação que se pretende obter no futuro. Portanto, os incentivos fiscais mesmo não reconhecidos por contrato fiscal, têm natureza paracontratual, pois são propostas genéricas fiscais que solicitam a adesão dos contribuintes. R) E esta circunstância, em termos de consequências jurídicas, é tão importante, que os incentivos fiscais, ainda que não contratuais, mesmo que automáticos ou reconhecidos por ato unilateral da Administração Fiscal, podem ser assimilados enquanto propostas dirigidas ao público que solicitam aceitação deste, a contratos de adesão, na medida em que a tutela do princípio da boa fé, nestes casos, implica a aplicação analógica do prin-
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