TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
354 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL XII – O que importa averiguar é se a norma questionada, ao limitar o direito ao reporte do crédito fiscal decorrente do RFAI, traduz uma afetação excessiva, intolerável e inadmissível das expectativas legíti- mas que os beneficiários detinham na manutenção das condições em que o reporte podia ser exercido – a frustração das expectativas é evidente: se antes podiam abater o benefício fiscal até 25% da coleta do IRC e com a mudança do regime legal impugnado apenas podem deduzi-lo até à concorrência de 10%; o peso e a urgência dos interesses públicos prosseguidos pela norma impugnada não justificam uma intervenção tão limitativa dos interesses dos beneficiários do RFAI; o confronto do tipo de bene- fício fiscal afetado com a importância e premência daqueles interesses públicos conduz a um resultado excessivo, inaceitável e intolerável; a interpretação normativa impugnada – que inclui o RFAI no âmbito do n.º 1 do artigo 92.º do CIRC – exige de mais, porque o fim a que se destina podia ser alcançado por via menos agressivas da confiança dos beneficiários do RFAI. XIII – As características do benefício fiscal atingido pela norma – temporário, condicionado, dinâmico e bilateral – põem em luz parâmetros materiais e axiológicos que não toleram modificações que agravem excessivamente os beneficiários: a concessão do benefício fiscal exige uma ação especial do contribuin- te – a realização de investimentos relevantes em determinada região que geram postos de trabalho – que implica encargos e riscos económicos; a ação é estimulada e induzida pelo Estado para a realização de interesses constitucionalmente relevantes, superiores aos que fundamentam a própria tributação; o beneficiário fica vinculado a manter na empresa e na região durante cinco anos os bens objeto de investimento; durante esse período pode exercer o benefício concedido até à concorrência de 25% da coleta de IRC, em caso de insuficiência da mesma em cada período de tributação; a concessão do benefício fiscal implica renúncia do Estado a receita fiscal correspondente a 10% ou 20% do investi- mento relevante, conforme superior ou inferior a cinco milhões de euros. XIV– A concessão do benefício fiscal, para além do direito ao benefício, gera expectativas legítimas muito intensas de manutenção das condições do seu exercício no prazo preestabelecido; não obstante a mais ampla liberdade de conformação dos benefícios fiscais, o Estado tem o dever de respeitar os compro- missos assumidos e a boa fé ( pacta sunt servanda ) de quem confiou na reciprocidade de vantagens e ónus, não sendo admissível que o Estado “induza” o contribuinte a colaborar com o seu património numa finalidade pública a troco de vantagens tributárias, renunciando a um determinado montante de receita fiscal, e antes do termo preestabelecido venha alterar as condições oferecidas, prejudicando o seu aproveitamento; a modificação unilateral desse “acordo tácito” representa uma inadmissível frus- tração da confiança, um venire contra factum proprium , que agrava os contribuintes que depositaram confiança na “oferta” legislativa. XV – Nem se argumente que a possibilidade de reportar o crédito de IRC sobrante por três ou quatro anos após a alteração do artigo 92.º do CIRC, relativo a investimentos realizados em 2009 e 2010, torna a medida menos lesiva da confiança dos beneficiários do RFAI, pois a poupança fiscal que as empresas planearam realizar durante cinco anos, atuando dentro do quadro jurídico estabelecido no RFAI, con- dição necessária para obtenção de segurança jurídica, não pode ser obtida em virtude da modificação introduzida pela norma impugnada. XVI – A frustração do aproveitamento do crédito de imposto e do tax planning dos investidores adquire particular intensidade quando se verifica que a norma impugnada exige de mais, na medida em que se verifica que os interesses públicos por ela visados podiam ser obtidos sem agravar excessivamente as expectativas legítimas que o RFAI criou; quer as finalidades extrafiscais que ditaram o RFAI, que
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