TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
353 acórdão n.º 309/18 e continuidade das normas que suportaram o plano que elaboraram para a fruição desses benefícios; o RFAI constitui a “base de confiança” capaz de gerar expectativas consistentes de que os benefícios concedidos serão efetivamente obtidos por quem praticar os atos necessários ao seu gozo. VIII– Tais expectativas são legítimas, justificadas e fundadas em boas razões: a confiança que os sujeitos pas- sivos de IRC depositam na manutenção das condições exigidas para a concessão dos benefícios fiscais em sede de RFAI é merecedora de proteção porque, além de fundadas na lei, assentam em estímulos e incentivos que o Estado criou para atrair contribuintes a colaborar na realização de determinadas finalidades económicas e sociais; a legitimidade das expectativas criadas pelo Estado justifica-se e explica-se racionalmente por referência à relação que neste tipo de benefícios se estabelece entre as vantagens atribuídas e as atividades estimuladas, sendo na perspetiva de continuidade do «compor- tamento» estadual que os contribuintes planeiam e efetuam os investimentos relevantes para que seja concedida a vantagem tributária; para aproveitar o benefício “oferecido” pelo Estado, o contribuinte realiza antecipadamente investimentos que implicam custos financeiros, e dos quais espera ter retor- no; o fator fiscal está intrínseco ao RFAI: o Estado oferece aos contribuintes uma poupança fiscal em sede de IRC na condição de realizarem investimentos relevantes em determinadas regiões do país. IX – Neste contexto, é de admitir, com certeza, que os contribuintes só realizam os investimentos tendo em conta a perspetiva de continuidade da redução da carga fiscal que o RFAI proporciona; o carácter oneroso, condicionado e temporário do benefício fiscal, na modalidade de dedução à coleta, previsto no RFAI, dá uma indicação segura ao contribuinte de que o legislador, após o investimento efetuado, se absterá de alterar as condições em que o mesmo foi concedido. X – Verificados os três requisitos ou “testes” que concretizam o parâmetro jurídico-constitucional da «con- fiança», a respetiva tutela depende ainda de não ocorrem razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa dos inves- tidores; no caso da norma questionada, o contrapólo valorativo consubstancia-se nos interesses públi- cos que fundamentam a necessidade de adoção de medidas de consolidação orçamental, de redução e racionalização da despesa pública, e a maior equidade tributária, sendo evidente que as finalidades de interesse público prosseguidas pela modificação normativa em causa – redução da percentagem de utilização da coleta de IRC por parte de benefícios fiscais – têm que ser contrapostas e ponderadas, segundo um critério de proporcionalidade, com as expectativas legítimas dos contribuintes que antes da alteração usufruíam benefícios fiscais em sede de RFAI. XI – Aceitando-se que a modificação normativa em escrutínio tem aptidão objetiva para alcançar maior receita fiscal, importa verificar se não existem outras medidas igualmente idóneas, mas menos lesivas das expectativas (a confiança) criadas pelo Estado nos contribuintes que realizaram investimentos ao abrigo do RFAI; ora, a estrutura do IRC comporta variadas possibilidades de agravamento do tributo, ao nível quer da incidência, quer da determinação da matéria coletável e da liquidação, quer das taxas, havendo um vasto leque de medidas de desagravamento fiscal estruturais ou inerentes ao IRC cuja alteração poderia ser menos lesiva e com eficácia idêntica à solução da norma impugnada; assim, não é seguro que a alternativa do agravamento do IRC seja uma medida mais limitativa ou onerosa para os beneficiários do RFAI do que a redução do benefício fiscal impostos pela norma sindicada, não estando demonstrado, em concreto, que a redução da percentagem de utilização da coleta de IRC por parte do RFAI não seja a medida mais lesiva da confiança legítima dos beneficiários, nem a mais eficaz para obter o aumento da receita fiscal.
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