TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
352 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III – A evolução legislativa dessa regra denota intenção de limitar a relevância dos benefícios fiscais que afe- tam a coleta de IRC, de maneira a garantir um nível de receita fiscal consentâneo com a preocupação de consolidação das finanças públicas; o fim visado pelas alterações introduzidas pelas Leis do Orça- mento do Estado de 2010 e 2011 no artigo 92.º do CIRC foi aumentar a taxa de tributação efetiva dos rendimentos das pessoas coletivas, tendo-se dado o aumento do nível de imposto “real” nesses períodos de tributação à custa da diminuição da coleta de IRC disponível para gozo de benefícios fis- cais; o sucessivo estreitamento da margem de utilização dos benefícios fiscais acabou por colidir com o montante de benefícios fiscais concedidos pelo RFAI, pois se o benefício fiscal previsto no RFAI permite uma dedução à coleta até 25% desta e o CIRC impõe um limite de 10%, não é possível no mesmo ano de tributação aproveitar integralmente o benefício concedido. IV – O RFAI integra-se numa política extrafiscal que tem por escopo dinamizar a economia por via da indu- ção dos agentes económicos à realização de investimentos que conferem vantagens tributárias, consistin- do, essencialmente, num regime de incentivos de natureza regional; a dedução à coleta de IRC resultante de investimentos elegíveis para o RFAI constitui uma modalidade de benefícios fiscais e por ser um incentivo económico que prossegue finalidades diversas das que presidem ao sistema de tributação regra, caracteriza-se pela natureza excecional, que obsta à tributação normal do IRC, e pelo fundamento extra- fiscal, na medida em que o principal objetivo é obter resultados económicos ou sociais e não a obtenção de receitas para fazer face às despesas públicas; as características dos incentivos fiscais previstos no RFAI – automáticos, dinâmicos, temporários e condicionados – permitem, de certo modo, configurá-los como benefícios fiscais bilaterais: exige-se dos beneficiários uma prestação de interesse coletivo (investimentos relevantes) e promete-se, em troca, uma vantagem economicamente certa (dedução à coleta). V – As peculiares características do benefício fiscal em causa e do seu modo de funcionamento – condicio- nal, temporário, dinâmico e bilateral – motivam uma proteção mais intensa à confiança depositada na manutenção do benefício; de facto, se o benefício é concedido para estimular comportamentos futu- ros, mediante certas condições e por prazo certo, é evidente que o contribuinte que atua satisfazendo tais condições tem a esperança de vir alcançar o benefício que determinou a sua atuação. VI – É o carácter temporário e condicionado dos benefícios fiscais que justifica limitações legais à livre modi- ficabilidade ou revogabilidade de normas que regulam benefícios fiscais; no n.º 2 do artigo 3.º e no n.º 1 do artigo 11.º do EBF, que versam sobre a caducidade e a aplicação no tempo de normas sobre benefí- cios fiscais, ressalvam-se os “direitos adquiridos” durante o prazo de vigência das normas que concedem benefícios fiscais temporários e condicionais, a fim de proteger a situação de confiança dos sujeitos passivos que realizaram disposições estimuladas por esses benefícios, assegurando a fixação do “prazo” a previsibilidade do gozo do benefício, delimitando, no tempo, a situação jurídica individualizada que caracteriza o direito ao benefício; e a exigência de “condições” para a concessão do benefício revela, por si só, a existência de investimentos na confiança, que é requisito essencial à proteção da confiança. VII – A natureza dinâmica do benefício fiscal comprova que o Estado ( maxime , o legislador) ao criar o RFAI encetou comportamento capaz de gerar nos contribuintes “expectativas” de continuidade das condições estabelecidas para o gozo da vantagem fiscal; ao oferecer ao contribuinte um benefício fiscal para ser gozado durante um determinado período constrói-se uma base de confiança na qual o contribuinte pode fundamentar a decisão de desempenhar as atividades necessárias ao seu gozo; por isso, os contribuintes que, reunindo as condições e os requisitos exigidos para a concessão dos bene- fícios, assumindo riscos, encargos financeiros e compromissos vários, só podem esperar estabilidade
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=