TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

35 acórdão n.º 420/18 município territorialmente competente. É e precisamente neste ponto que reside o desvalor invocado pelo requerente. Isto porque não decorre da norma sindicada (nem tão-pouco do decreto em que a mesma se insere), qualquer elemento literal suscetível de indiciar que o legislador regional, ao prever a atribuição “direta e inegável” do direito em causa, pretendia chamar a si (e à administração regional) não só a competência para a atribuição do direito por mero efeito da lei, mas igualmente, ainda que em momento subsequente, as consequências dessa atribuição, em especial no que respeita à respetiva operacionalização e correspondente custo financeiro – seja por via da previsão do exercício de competência regulamentar, seja por via de previsão orçamental para o efeito. Ora, tendo em conta o que atrás ficou dito quanto aos traços caracterizadores daquele regime da tarifa social na prestação dos serviços de água, aplicável no território nacional e a todos os municípios ( supra, 13.), parece ser de concluir, de acordo com esta primeira interpretação, com algum grau de certeza, que o enun- ciado da norma sindicada vem bulir (ou, pode com elevada probabilidade bulir) com (pelo menos) dois dos traços essenciais do mesmo no que – a montante da atribuição da tarifa social na prestação dos serviços de água –, diz respeito às atribuições e competências das autarquias locais: i) a adesão voluntária dos municípios ao regime de tarifa social (mediante deliberação da assembleia municipal, sob proposta da câmara munici- pal); ii) a competência dos municípios para estabelecer critérios de referência diversos dos consagrados pelo regime legal, desde que não sejam restritivos em relação aos mesmos (mediante deliberação da assembleia municipal). E o enunciado da norma sindicada vem ainda bulir (ou, pode com elevada probabilidade bulir) – a jusante da atribuição da tarifa social na prestação dos serviços de água de acordo com os critérios legais ou outros que sejam estabelecidos pelo órgão do município competente –, com um terceiro traço essencial daquele regime da tarifa social para a prestação dos serviços de água no que aos municípios diz respeito: o da imposição do financiamento da tarifa social pelo próprio município aderente (e ademais decorrente da aplicação de um critério que não foi sequer objeto de estabelecimento por deliberação do órgão competente dos municípios implicados). A norma sindicada, em suma, segundo a interpretação em causa, parece impor – tendo subjacente uma leitura conjugada dos diplomas relevantes – aos municípios da RAM que suportem o custo de atribuição de uma tarifa social a um grupo determinado em razão de uma qualidade (a de bombeiro da RAM) quando dispõem de margem de liberdade de decisão quanto à atribuição de tarifa social na água aos consumidores elegíveis segundo os critérios legais, ordenados à proteção de consumidores finais individuais em situação de carência económica, bem como aos beneficiários elegíveis segundo outros critérios de referência que os municípios podem determinar mas ainda ordenados, presume-se, à prossecução daquele objetivo de proteção. Assim sendo, seria de concluir que norma sindicada, numa primeira interpretação – impondo a atribui- ção de um direito (benefício da tarifa social na água) aos bombeiros da RAM ‘à custa’ de receitas dos municí- pios (preços cobrados pela prestação dos serviços de água) – não deixa de interferir com os traços do regime geral fixados pelo legislador e o espaço de autonomia dos municípios, seja decisória, seja financeira, no que respeita à assunção de despesas e livre disposição das suas receitas a prossecução dos seus fins, nos limites da sua autonomia financeira tal como regulada por lei. 16.2. Numa outra (segunda) interpretação possível da norma, que entenda não ser o mencionado ele- mento gramatical determinante, é de admitir que a previsão do aditamento do direito à tarifa social na água da forma prevista não preclude a aplicação do disposto no regime (geral) de atribuição de tarifa social para a prestação dos serviços de águas e, nessa medida, não contende com o seu traço essencial respeitante ao carácter voluntário da adesão ao regime por parte dos municípios – e mesmo com o traço respeitante à deter- minação, por parte daqueles, de outros critérios de referência além dos previstos naquele regime. Todavia, mesmo admitindo-se ser possível esta segunda interpretação da norma sindicada, é de concluir igualmente que a mesma não deixa de interferir com o espaço de autonomia dos municípios traçado pelo regime geral aprovado com base em autorização legislativa concedida pela Assembleia da República. Com

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