TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

349 acórdão n.º 308/18 do direito de impugnar. Ora, em qualquer destas dimensões, a ausência da posse de estado determinaria sempre a imprescritibilidade do direito do perfilhante e não a caducidade do direito de ação. Portanto, a ratio decidendi não foi a inexistência de um prazo de caducidade – tal como previsto no artigo 1842.º, n.º 1, alínea a), para a impugnação da paternidade presumida –, mas a não previsão da posse de estado, uma “exceção perentória inominada”, como refere a decisão recorrida, impeditiva do direito de impugnar a perfilhação. Não obstante a Constituição não impedir que o legislador faça intervir a posse de estado como fator impeditivo da impugnação da perfilhação, há motivos para que as ações de impugnação da perfilhação pelo perfilhante possam ter um regime diferente, quanto ao prazo, das ações de impugnação da paternidade presumida. Os vínculos de filiação são constituídos de modo diferente, e isso tem reflexos na impugnação: enquanto a paternidade do marido da mãe, é uma paternidade legal constituída por presunção (n.º 1 do artigo 1826.º do Código Civil), a perfilhação depende de uma manifestação do indivíduo que se apresenta como progenitor de um filho que ainda não tem paternidade estabelecida (artigo 1849.º do Código Civil). Neste caso, o ato de perfilhação consiste num misto de declaração de vontade, suscetível de ser anulada por vícios da vontade (artigos 1860.º e 1861.º), e de declaração de ciência, em que o perfilhante declara que sabe que é o progenitor, declaração essa que a lei pretende que corresponda à verdade, sob pena de nulidade. Por isso, a ação de impugnação da perfilhação tem por objeto o ato jurídico de perfilhação, que assentou numa declaração falsa, e não a relação de paternidade que dele resultou. A situação assemelha-se à impugna- ção da maternidade, também constituída por declaração de maternidade, e que o artigo 1807.º do Código Civil admite impugnar a todo o tempo. Em ambos os casos, a filiação constituiu-se por declarações que assentam na convicção errada da responsabilidade pela conceção de um indivíduo. De modo que as ações dirigem-se sempre contra as declarações diretamente emanadas do perfilhante, num caso, ou da suposta pro- genitora, no outro. Nestes casos, possibilidade de se impugnar a todo o tempo uma filiação que não corres- ponde à realidade biológica da conceção visa conceder um nível máximo de proteção ao direito à identidade pessoal (artigo 26.º da Constituição). A tutela maximizada do direito fundamental à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade justifica-se no interesse público da coincidência entre a verdade jurídica e verdade biológica, sempre que a filiação é estabelecida por declaração do perfilhante ou da mãe. A situação é diferente quando a paternidade é estabelecida por presunção, pois, neste caso, a lei admite que a “verdade jurídica” pode não coincidir com a “verdade biológica”. Ora, no momento em que se pretende destruir o vínculo estabelecido por presunção, as razões que levaram o legislador a elaborar a regra de que o pai é o marido da mãe – proteção da família constituída – também podem ser ponderadas com o direito à identidade pessoal do pai presumido. Caberá ao legislador, na margem de liberdade reclamada pela atividade legislativa, determinar se pretende conceder a esse direito uma proteção absoluta ou se opta por conceder proteção simultânea com outros valores constitucionalmente relevantes. A opção tem sido a de proteger a família constituída através da fixação de um prazo de caducidade (artigo 1842.º do Código Civil). Mas isso não impede que, nos casos em que a filiação se faça por declaração, se comine com a nulidade, impugnável a todo o tempo, a declaração não correspondente à verdade biológica, evitando assim que através dessa decla- ração se consigam outros efeitos como, por exemplo, a adoção. Não obstante, para efeitos de aplicação do princípio da igualdade, não se poder comparar a condição não prevista no n.º 2 do artigo 1859.º do Código Civil – inexistência de posse de estado – com o prazo de caducidade previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1842.º do Código Civil, por se tratar de realidades dis- tintas, entendo que os argumentos esgrimidos no acórdão para sustentar a inconstitucionalidade da norma daquele preceito adequam-se sobretudo à eventual declaração de inconstitucionalidade da norma deste último. Ou seja, não é a imprescritibilidade da impugnação da perfilhação que é inconstitucional, por viola- ção dos artigos 13.º e 36.º da Constituição, mas a caducidade da impugnação da paternidade presumida, por violação do artigo 26.º da Constituição. Com efeito, a desvalorização que se faz da proteção da família cons- tituída (ponto 10.1) aponta para a imprescritibilidade da ação de impugnação da paternidade presumida, porque faz sobressair o peso valorativo do direito à identidade pessoal do pretenso pai. Por outro lado, se a procura da verdade biológica nas ações de estado releva do direito à identidade pessoal e do direito ao livre

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