TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
348 Em primeiro lugar, e quanto à questão prévia (cfr. II, 7.), por se ter dúvidas que o escrutínio da norma sindicada com base no princípio da igualdade seja efetuado à luz da «classificação suspeita» «filhos nascidos fora do casamento», proibida pelo n.º 4 do artigo 36.º da Constituição, por a norma respeitar à impugnação da paternidade – como se afirma no Acórdão, à impugnação do estado e não dos seus efeitos. E, neste pres- suposto, o referido escrutínio haveria de se reportar ao impugnante – perfilhante, por um lado, e marido da mãe (pai presumido), por outro –, ainda se vislumbrando nesse caso fundamento racional e não arbitrário para a diferença de regime, quanto ao prazo, entre as ações de impugnação da paternidade estabelecida por perfilhação, por um lado, e por força da presunção pater est – tendo em conta quer a natureza do acto de perfilhação, pessoal e livre, quer os específicos deveres jurídicos decorrentes do contrato de casamento. Depois, mesmo que se admitisse o escrutínio com base naquela «classificação suspeita» e na compreen- são ampla do princípio da proibição da discriminação dos filhos nascidos fora do casamento (cfr. igualmente II, 7) – e pese embora a apontada função hoje diversa do instituto da perfilhação e da ação de impugnação da mesma –, por se entender não serem determinantes os argumentos apontados (cfr. II, 10) para infirmar os (dois) fundamentos decorrentes da jurisprudência exarada no Acórdão n.º 589/07 (cfr. II, 9). Quanto ao primeiro fundamento (cfr. II, 10.1), os dados (quanto ao número de divórcios, uniões de facto e casamentos entre pessoas do sexo oposto) que sustentam a infirmação do primeiro fundamento não contemplam, de todo, o número de filhos (que face àqueles dados, implicitamente se presume ser crescente no âmbito de agregados familiares equiparáveis à família matrimonial); depois, não é certo ser tão «grande a medida da diferença entre as soluções legais» (prazo curto de caducidade no caso de impugnação da paternidade pelo marido da mãe e inexistência de prazo no caso da impugnação da perfilhação pelo perfilhante), tendo em conta o termo inicial do prazo fixado na lei que se afigura poder resultar numa atenuação da apontada grande medida da diferença. Quanto ao segundo fundamento (cfr. II, 10.2), e além do que se referiu sobre a atenua- ção da diferença, por não se subscrever o afirmado quanto ao argumento fundado na imputação ao legislador da admissibilidade da perfilhação sem qualquer controlo prévio da verosimilhança da respetiva declaração, deixando implícita, ao menos em aparência, a ideia de que a admissibilidade da perfilhação poderia vir a ‘depender’ do prévio controlo da paternidade biológica determinada através de testes de ADN. Julgada inconstitucional a norma em causa pela maioria que fez vencimento, acompanha-se o juízo de não inconstitucionalidade constante da alínea b) da Decisão. – Maria José Rangel de Mesquita. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencido, quanto ao julgamento de inconstitucionalidade da norma extraída do n.º 2 do artigo 1859.º do Código Civil – alínea a) da parte decisória do Acórdão –, por entender que podem existir razões justificativas para que o legislador diferencie, quanto ao prazo, as ações de impugnação pelo perfilhante da paternidade estabelecida por perfilhação das ações de impugnação da paternidade presumida intentadas pelo marido da mãe. Começo por referir que a sentença recorrida deixa muitas dúvidas quanto ao fundamento jurídico que foi determinante no juízo de inconstitucionalidade da norma contida no n.º 2 do artigo 1859.º do Código Civil. A norma não foi julgada inconstitucional pelo facto da ação de impugnação pelo perfilhante poder ser intentada “a todo o tempo”, ou seja, por ser uma ação imprescritível. A norma foi julgada inconstitucional por se entender que o direito de impugnar a perfilhação por iniciativa do perfilhante está condicionado à não verificação de um requisito negativo: «a não verificação de laços afetivos consolidados com o filho típicos da paternidade». Como do texto do n.º 2 do artigo 1859.º do Código Civil não é possível retirar qualquer sen- tido normativo que dê relevância à posse de estado como fator impeditivo do direito à impugnação da pater- nidade estabelecida por perfilhação, fica-se sem saber qual a dimensão normativa que se pretende impugnar: se a irrelevância da posse de estado em si mesma, se a inexistência de um prazo de posse de estado impeditivo
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