TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
344 frequência, a família conjugal que existia no momento do nascimento do filho desagrega-se até este atingir a maioridade ou no decurso da sua vida adulta. Por outro lado, segundo dados da mesma base estatística, o número de uniões de facto cresceu de 381 120 para 729 832, entre os anos de 2001 e 2011, tendo o número de casamentos (entre pessoas do sexo oposto), entre os mesmos anos, descido de 58 390 para 31 977 (foi de 91 403 em 1977). Daí decorre ser cada vez mais comum que filhos nascidos fora do casamento – num contexto em que, não operando a presunção pater est… , a paternidade é normalmente estabelecida através de reconhecimento voluntário − integrem agregados familiares cuja estabilidade e longevidade deve ser equiparada à da família matrimonial. De tudo isto resulta, julga-se que de forma concludente, que não há hoje razões para crer que a impug- nação da paternidade presumida do marido da mãe é geralmente mais perturbadora da «harmonia e paz familiar» do que a impugnação da perfilhação. E mesmo que se entenda que, perante os dados sociais pre- sentes, é ainda possível formular um juízo geral com esse alcance, é certo que o mesmo não justifica a grande medida da diferença entre as soluções legais nos dois casos: um prazo curto de caducidade no caso de impug- nação da paternidade pelo marido da mãe e a inexistência de qualquer prazo para agir no caso de impugnação da perfilhação pelo perfilhante. 10.2. O segundo fundamento – a tutela da verdade biológica – é igualmente insuficiente para justificar a diversidade de tratamento entre os filhos que beneficiam da presunção pater est… e aqueles cuja paternidade é estabelecida por reconhecimento voluntário. Note-se que «verdade biológica» não é, em si mesma, um princípio ou valor constitucional. Como se afirmou no Acórdão n.º 589/07 (posição reiterada, entre outros, nos Acórdãos n. os 446/10 e 309/16): «Embora se possa afirmar, no domínio do direito da filiação, a existência de um princípio de verdade biológica, que decorre desde logo da abertura que o legislador deu, na reforma do Código Civil de 1977, à utilização como meios de prova, nas ações relativas à filiação, de “exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados” (artigo 1801.º do Código Civil), o certo é que esse princípio, ainda que possa entender-se como um critério estruturante do regime legal, não assume dignidade constitucional ( idem, pág. 52) e não pode fundamen- tar, por si só, um juízo de inconstitucionalidade relativamente à norma que fixa um prazo de propositura da ação de impugnação da paternidade.» A «verdade biológica» tem relevância constitucional enquanto premissa menor de um argumento baseado num direito fundamental ou noutro interesse legítimo. Na generalidade dos casos, e em primeira linha, a procura da verdade biológica nas ações de estado releva do direito à identidade pessoal e do direito ao livre desenvolvimento da personalidade (vide, entre muitos outros, os Acórdãos n. os 486/04, 23/06, 589/07, 609/07, 446/10, 401/11 e 309/16); são paradigmáticos, nesse sentido, os casos da investigação e da impug- nação da paternidade pelo filho. Ora, desse ponto de vista, não há qualquer razão para distinguir os casos de impugnação da paternidade estabelecida por presunção legal e por reconhecimento voluntário: a posição do impugnante, que através da ação realiza o seu interesse na correspondência entre o vínculo jurídico e a realidade biológica, é exatamente idêntico. No entanto, a procura da verdade biológica pode também constituir um interesse público digno de tutela, como assinalou o Acórdão n.º 401/11: «[N]ão é possível ignorar que a constituição e a determinação integral do vínculo de filiação, abrangendo ambos os progenitores, corresponde a um interesse de ordem pública, a um relevante princípio de organização jurídico-social. O dar eficácia jurídica ao vínculo genético da filiação, propiciando a localização perfeita do sujeito na zona mais nuclear do sistema das relações de parentesco, não se repercute apenas na relação pai-filho, tendo projeções externas a essa relação ( v. g. em tema de impedimentos matrimoniais). É do interesse da ordem jurídica
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