TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
34 Recorde-se que, no seu enunciado literal, a norma vem aditar o direito às tarifas sociais na água [e eletri- cidade], de forma direta e inegável, relativamente aos bombeiros do quadro de ativos (da RAM). Sendo a norma silente, como já se mencionou, quanto a vários aspetos relativos à sua concretização, numa possível leitura isolada da norma, esta poderia assumir prima facie um caráter programático, segundo o qual a atribuição do direito em causa e a sua execução dependeria de aprovação futura de normas concre- tizadoras. Não é todavia sob este prisma que o requerente invoca o desvalor da norma. Ora, não se afigurando a norma sindicada exequível por si própria, nem estabelecendo na sua letra qualquer programa de concretização a desenvolver posteriormente, há que considerar, numa outra leitura da norma, que a mesma estabelece conexões com regimes jurídicos pré-existentes – seja com o regime jurídico aplicável aos bombeiros no território nacional, seja, em especial, com o regime jurídico de atribuição de tarifa social para a prestação dos serviços de águas (tarifa social). Deste modo, prevendo a norma – cuja teleologia respeita, em primeira linha, ao específico «estatuto social» dos bombeiros da RAM –, o aditamento (aos direitos dos bombeiros da RAM já resultantes do regime geral) do direito à tarifa social na água, não pode a determinação do seu sentido deixar de ser efetuada, no quadro do sistema jurídico, à luz do regime legal aplicável em matéria de atribuição de tarifa social para a prestação dos serviços de águas – isto é o «quadro legal de nível nacional» relativo ao acesso à tarifa social para a prestação dos serviços de água, aplicável em todos os municípios, assegurando «o acesso de todos os consumidores a nível nacional» (cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 147/2017, de 5 de dezembro) e, nessa medida, das atribuições e competências pelo mesmo conferidas aos municípios (e a todos os municípios). Todavia, mesmo considerando que a execução do (aditado) direito à tarifa social na água previsto na norma sindicada depende, ou tem lugar, no quadro do regime geral que consubstancia o referido «quadro legal de nível nacional», afiguram-se admissíveis diversas interpretações da norma sindicada na sua articula- ção com tal regime. 16.1. Numa (primeira) interpretação, a partir do enunciado literal da norma, em todos os seus seg- mentos, parece poder retirar-se com um mínimo de certeza que: i) é “aditado” um novo direito aos direitos (dos bombeiros) previstos no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 241/2007, de 21 de junho, que aprovou o regine jurídico aplicável aos bombeiros portugueses no território nacional; ii) este “novo” direito assim aditado res- peita a matéria que se prende com o acesso à tarifa social para a prestação dos serviços de água (tarifa social) – e prevista no Decreto-Lei n.º 147/2017, de 5 de dezembro; iii) ao aditar o direito em causa ao elenco dos direitos dos bombeiros, estabelece como critério ou pressuposto da concessão desse benefício a quali- dade de bombeiro do quadro de ativos da RAM; iv) ao estabelecer como critério exclusivo dessa concessão aquela qualidade de bombeiro da RAM, sem consideração de qualquer outro critério de elegibilidade para a atribuição do mesmo, vem, ao menos implicitamente, estipular um “novo” critério de elegibilidade face aos previstos no regime legal de atribuição de tarifa social para a prestação dos serviços de águas estabelecido pelo referido Decreto-Lei n.º 147/2017; v) ao prever o “aditamento” do direito em causa (direito à tarifas sociais na água) «de forma direta e inegável» parece impor a atribuição desse direito de modo obrigatório e automático, por mero efeito de ato legislativo, com todas as consequências – desde logo as competenciais e em matéria de financiamento previstas no quadro legal de nível nacional instituído pelo Decreto-Lei n.º 147/2017, de 5 de dezembro. Em particular, o elemento gramatical relativo à “forma” de aditamento do direito – «de forma direta e inegável» – afigura-se particularmente elucidativo no esclarecimento do pensamento legislativo: o legislador parece expressar a intenção de exercer a competência de atribuir, aos bombeiros da RAM, um benefício (o da tarifa social na água) de modo automático e sem possibilidade de negação – assumindo o exercício de uma competência que considera sua (para tanto invocando, além de preceitos constitucionais, os artigos 37.º, n.º 1, alínea c) e 40.º, alínea vv) , do EPARAM, cujo teor já acima foi mencionado) –, assim ‘sobrepondo’ tal exercício ao exercício por parte do ente que a lei (da República) considerou competente para o efeito – o
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