TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

339 acórdão n.º 308/18 A relevância constitucional das «classificações suspeitas» − cujo elenco compreende, como se viu, os filhos nascidos fora do casamento − não se esgota no domínio da proibição de privilegiar ou prejudicar certos indivíduos unicamente pelo facto ou em razão de pertencerem a determinado grupo social. A sua designação – classificações suspeitas − decorre da circunstância de denotarem grupos sociais historicamente discrimina- dos ou privilegiados, cujos interesses se presumem iniquamente considerados e representados, quer seja no processo legislativo ordinário, quer seja – e isso é frequente – em legislação antiga que se mantém em vigor pelo efeito combinado da inércia do legislador e do desvanecer da memória; o mais das vezes, os grupos sociais relevantes constituem minorias vítimas de injustiça histórica, preconceitos arraigados, exclusão social e marginalidade política. Na verdade, a Constituição faz recair uma «suspeita» de discriminação sobre as distinções legais que tenham por efeito uma diferença de tratamento desses grupos sociais, ainda que razões não ostensivamente discriminatórias possam explicar o regime legal, e até mesmo quando razões desse tipo sejam oficialmente invocadas. A tradução funcional dessa suspeita de discriminação é a autoridade da jurisdição constitucional − um poder público essencialmente instituído para escrutinar as razões da lei democrática – para praticar um controlo reforçado em matéria de respeito pelo princípio da igualdade. Em vez de se limitar a um escrutínio de nível mínimo ou negativo, normalmente consubstanciado na proibição do arbítrio, o Tribunal Consti- tucional deve submeter a legislação baseada em «classificações suspeitas» ao crivo estreito da justa medida. Por outras palavras, trata-se de saber, não apenas se a diferença de tratamento é fundada em razões não dis- criminatórias, mas se essas razões, as únicas que se podem aceitar como legítimas, justificam a exata medida da diferença de tratamento entre o grupo-alvo e o par comparativo. Muito longe de ofender o princípio da separação de poderes – nomeadamente, da separação entre o poder legislativo e o poder jurisdicional −, este escrutínio judicial reforçado é uma garantia da autoridade democrática da lei perante aqueles que têm fortes razões para descrer na promessa constitucional, solenemente firmada no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição, de que serão tratados por ela como iguais aos demais cidadãos. 7. Questão prévia ao escrutínio rigoroso da norma sindicada com base no princípio da igualdade – nos termos expostos e fundamentados nos parágrafos precedentes – é a de saber se as diferenças de regime entre a impugnação da paternidade pelo marido da mãe e pelo perfilhante se situam na região sensível do tratamento legal distinto dos filhos nascidos fora do casamento, sobre a qual recai a suspeita fundada no n.º 4 do artigo 36.º da Constituição e, em última análise, no segmento do n.º 2 do artigo 13.º que proíbe a discriminação em razão da ascendência. O Ministério Público afirma não ser esse o caso (artigo 58.º das alegações de recurso), na medida em que, não sendo o autor da ação de impugnação da perfilhação o pai biológico da segunda recorrida, não é seu ascendente. Mais afirma que, «não está em causa nenhuma designação discriminatória em relação a estes, mas a simples constatação legal, que se espelha em inúmeras disposições do Código Civil, de que há crianças nascidas na constância do matrimónio e fora dele, estabelecendo a lei regimes diferentes para ambas as situa- ções»; este último argumento não diz, porém, respeito à questão de saber se sobre a diferença de tratamento sindicada recai uma suspeita de discriminação – com as implicações já referidas −, mas à questão ulterior de saber se a mesma passa no crivo do controlo judicial baseado no princípio da igualdade. Ora, antes de tudo o mais, cabe apreciar a questão prévia do tipo de controlo a exercer no que diz respeito à primeira questão de constitucionalidade colocada no presente recurso. Numa compreensão muito estreita da proibição de discriminação dos filhos nascidos fora do casamento, é evidente que as normas respeitantes à impugnação da paternidade – seja qual for o título constitutivo do estado de filiação – estão fora do seu alcance. Tratando-se da impugnação do estado e não dos seus efeitos, e tratando-se de demonstrar que o pater não é o genitor, é claro que as normas em causa não dizem rigorosa- mente respeito a filhos nascidos fora e dentro do casamento, mas a falsa filiação dentro e fora do casamento − para ser exato, à tutela da correspondência entre a filiação jurídica e biológica no contexto matrimonial e extra-matrimonial.

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