TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

338 estabelecer um prazo de perempção do direito de ação do marido da mãe – os três anos previstos no artigo 1842.º, n.º 1, alínea a) , do Código Civil −, ao passo que o direito do perfilhante de impugnar pode ser exer- cido a todo o tempo. Ora, entende o tribunal a quo, a diferença de tratamento entre os filhos que beneficiam da presunção legal e os filhos cuja paternidade é estabelecida por perfilhação – diferença de tratamento que se traduz em diferentes graus de sujeição à possibilidade de dissolução do vínculo de filiação por iniciativa daquele que é reputado pai pela ordem jurídica − é «unicamente assente no facto de o visado não ter nascido do casamento dos seus pais ou melhor de não ter nascido de pais casados.» Sobre o alcance básico do princípio da igualdade enquanto norma de controlo judicial do poder legis- lativo, é representativa da jurisprudência constitucional a posição expressa no seguinte trecho Acórdão n.º 409/99, recentemente reiterada e desenvolvida no Acórdão n.º 157/18: «O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente dife- rente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adoção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fun- damentação razoável, objetiva e racional. O princípio da igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio.» A questão que aqui se coloca é a de saber se as normas constantes dos artigos 1842.º, n.º 1, alínea a) e 1852, n.º 2, do Código Civil, ao tratarem de modo diferente duas categorias de pessoas, a dos perfilhados (o «grupo alvo») e a dos filhos que beneficiam da presunção pater est (o «par comparativo»), estabelecem entre elas uma distinção arbitrária. Para responder a tal questão, é indispensável que se determine qual o ponto de vista ou termo de com- paração entre os sujeitos a tratamento diferenciado, o que pressupõe a identificação da ratio legis . A diferença de tratamento será racional se for ditada pelo desiderato da lei — atente-se, por exemplo, na distinção entre automóveis ligeiros e pesados no regime que estabelece os limites de velocidade na circulação rodoviária. E a diferença de tratamento será arbitrária se não tiver qualquer relação, ou uma relação minimamente comen- surável, com a ratio legis , como seria o caso se a lei estabelecesse limites de velocidade diversos consoante a proveniência geográfica do construtor do automóvel. Chega-se a estas conclusões, como é bom de ver, através da determinação, ainda que implícita, de um termo de comparação entre as pessoas ou situações diferen- ciadas pela lei; no caso dos limites de velocidade, cuja finalidade é mitigar o risco de acidentes e dos danos emergentes da sua ocorrência, o tertium comparationis integra as propriedades dos veículos que os tornam mais ou menos perigosos e mais ou menos aptos a provocar danos em caso de acidente − contando-se entre tais propriedades a massa do veículo, mas não a origem do seu construtor (vide, no sentido deste parágrafo, os Acórdãos n. os 195/17 e 786/17). Não basta, porém, que a distinção legal seja racional para que a norma sindicada trate os indivíduos que integram o «grupo-alvo» como iguais, em dignidade social e perante a lei, aos que compõem o par comparativo. É necessário que a lei não prossiga uma finalidade discriminatória, ou seja, que as razões para distinguir os grupos sociais relevantes não se prendam com as características ou predicados que os definem, sobretudo quando estes se subsumem em alguma «classificação suspeita», como as enunciadas no n.º 2 do artigo 13.º da Constituição. Como se escreveu no Acórdão n.º 398/17, «o racismo, a homofobia, o classismo ou a misoginia − para dar alguns exemplos −, não podem em caso algum justificar o tratamento desigual das pessoas, porque são finalidades constitucionalmente proscritas». O mesmo se diga da discriminação dos filhos nascidos fora do casamento, proibida pelo n.º 4 do artigo 36.º da Constituição. Se a única explicação possível para a diferença de tratamento legal de dois grupos de indivíduos for o propósito de prejudicar ou privilegiar um relativamente ao outro, a lei não é arbitrária – pois a diferença de tratamento é precisamente ditada pela sua finalidade −, mas é decerto discriminatória e, por essa razão, inconstitucional.

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