TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
337 acórdão n.º 308/18 b) não julgar também inconstitucional, por alegada violação do direito à família, consagrado no art. 67.º da Constituição e da proteção constitucional da infância – art. 69.º da Constituição, o disposto no artigo 1859.º, n.º 2 do Código Civil; c) conceder, assim, provimento ao recurso obrigatório interposto, pelo Ministério Público, nos presentes autos; d) revogar, em conformidade, a sentença, de 3 de março de 2017, do digno magistrado judicial do Tribunal Judicial da comarca de Aveiro – Juízo de Família e Menores – Juiz 2.» Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação 5. São duas as normas cuja aplicação o tribunal a quo recusou e que integram o objeto do recurso de constitucionalidade. A primeira norma, extraída do n.º 2 do artigo 1859.º do Código Civil, estabelece que a ação de impug- nação da perfilhação pode ser intentada pelo perfilhante a todo o tempo, o mesmo é dizer, não está sujeita a um prazo de caducidade; ou, como é comum dizer-se, sem grande precisão técnica, mas por comodidade de expressão, é uma ação imprescritível. O tribunal recorrido recusou a aplicação desta norma nos autos com dois fundamentos constitucionais distintos. Por um lado, a violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição) e da proibição de discriminação dos filhos nascidos fora do casamento (artigo 36.º, n.º 4, da Constituição), atentas as diferen- ças de regime, em matéria de perempção do direito de ação, entre a impugnação da perfilhação pelo perfi- lhante (artigo 1859.º, n.º 2, do Código Civil) e a impugnação da paternidade pelo marido da mãe [artigo 1842, n.º 1, alínea a) ]. Por outro lado, a violação do direito à família (artigo 67.º da Constituição) e do direito à proteção na infância (artigo 69.º da Constituição), pelo facto de a solução legal sacrificar o interesse do filho na estabilidade da filiação consolidada no plano social e afetivo. A segunda norma, extraída da alínea a) do n.º 1 do artigo 1842.º, estabelece que a ação de impugnação da paternidade estabelecida por presunção pode ser intentada pelo marido da mãe no prazo de três anos desde que teve conhecimento das circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade, não obstante a verificação de posse de estado de filiação (consolidados laços familiares entre o impugnante e o filho). Na sentença recorrida entendeu-se que esta norma é aplicável por analogia aos casos de impugnação da perfi- lhação, uma vez recusada a aplicação – em parte, como se viu, com fundamento na violação do princípio da igualdade – da norma que atribui ao perfilhante o poder de intentar ação de impugnação a todo o tempo. Mas também a aplicação desta norma foi recusada, por se entender que, ao fixar um prazo subjetivo, relativo à pessoa do impugnante − prazo cujo termo inicial é incerto, podendo ter lugar muitos anos volvidos sobre o momento do estabelecimento da filiação −, sacrifica o interesse do filho na estabilidade da filiação conso- lidada no plano social e afetivo. Respeitando, quer a lógica interna da decisão recorrida, quer o princípio da instrumentalidade do recurso de constitucionalidade, cabe apreciar as questões colocadas no recurso pela seguinte ordem: primeiro, a questão da constitucionalidade da solução legal – diretamente aplicável nos autos − da imprescritibilidade da ação de impugnação da perfilhação proposta pelo perfilhante; segundo, a questão da constitucionalidade da solução legal – analogicamente aplicável nos autos – da impugnabilidade da paternidade pelo marido da mãe, no prazo de três anos contados a partir do conhecimento das circunstâncias que motivam a propositura da ação. 6. O primeiro fundamento invocado na sentença recorrida para recusar a aplicação da norma que esta- belece a imprescritibilidade do direito do perfilhante de impugnar a perfilhação é a violação do princípio da igualdade e da proibição de discriminação dos filhos nascidos fora do casamento. Em causa está o facto de a lei, no caso paradigmático da paternidade fundada na presunção pater est quem justae nuptiae demonstrant ,
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