TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

336 59.º Também não parece razoável, como o fez o digno magistrado a quo, recorrer ao art. 1842.º, n.º 1, alínea a) do Código Civil, uma vez que a situação, prevista no art. 1838.º do Código Civil, de não poder haver lugar a impugnação da paternidade presumida fora dos casos previstos no mesmo Código tem, por fundamento, noções de segurança e paz jurídicas, relativas à estabilidade do casamento, que não concorrem no caso dos autos (cfr. supra n.º 38 das presentes alegações). 60.º Ou invocar «a própria proteção da família enquanto centro de afetos e de organização social estável», ou «o direito constitucional à proteção da infância ao prever de modo absolutamente incondicionado a possibilidade de ser afastada por iniciativa alheia ao filho uma paternidade afetivamente consolidada durante vários anos, des- truindo assim a (única) referência familiar do filho menor de idade privando-o do desenvolvimento tendencial- mente harmonioso que a família assegura ou, ao menos, potencia». (cfr. fls. 163 dos autos). Não parece que possa contribuir para um saudável relacionamento entre o Autor e a criança B., obrigar o pri- meiro a reconhecê-la como sua filha, quando ambos sabem que o não é. O afeto eventualmente existente entre ambos poderá manter-se no futuro, mas não será, seguramente, por motivo da filiação inexistente. Sendo certo, por outro lado, que, dada a cessação, em 2010, da relação amorosa entre o Autor e a mãe da menor, bem como o casamento posterior do Autor, as relações entre o alegado pai e a menor se terão seguramente modificado (cfr. supra n.º 39 das presentes alegações). 61.º Haverá que atender, com efeito, para apreciação do presente recurso de constitucionalidade, aos vários poten- ciais interesses subjacentes, alguns deles conflituantes (cfr. supra n.º 40 das presentes alegações): – o do Autor, em ver anulada a perfilhação que fez, da menor B., por se ter comprovado não ser o respetivo pai biológico; – o da menor B. em ver esclarecido, então, quem é esse pai biológico (o direito à identidade biológica a que se reporta justamente o digno magistrado judicial recorrido); – o do verdadeiro pai biológico da menor B., em ver eventualmente definida a sua paternidade biológica. 62.º Definindo a lei claramente o contexto em que a presente ação decorre, não se verificando, por outro lado, nenhuma das inconstitucionalidades assacadas, quer ao art. 1859.º, quer ao art. 1842.º, n.º 1, alínea a) , ambos do Código Civil, não se vê como chegar à conclusão, propugnada pelo digno magistrado a quo, segundo a qual, «o direito de impugnar a perfilhação por iniciativa do perfilhante está condicionado a um prazo incerto de caducidade ou, se se preferir, fica condicionado à não verificação de um requisito negativo – a não verificação de laços afetivos consolidados com o filho típicos da paternidade – excepção perentória inominada que, a verificar-se, importa a absolvição do pedido» (cfr. fls 165 dos autos e supra n. os 15 e 41 das presentes alegações). 63.º Assim, por todas as razões invocadas ao longo das presentes alegações, julga-se que este Tribunal Constitucional deverá: a) não julgar inconstitucional, por alegada violação do princípio da igualdade – art. 13.º da Constituição, da proibição de não discriminação de filhos nascidos fora do casamento – art. 36.º, n.º 4 da Constituição e ainda por violação do direito constitucional à família, consagrado no art. 67.º da Constituição, da proteção constitucional da infância – art. 67.º da Constituição e da proteção da infância – art. 69.º da Constituição, o disposto no artigo 1842.º, n.º 1, alínea a) do Código Civil;

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=