TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

335 acórdão n.º 308/18 coabitação, não assenta numa relação judicialmente definida como de casamento e pressupõe, nessa medida, para que possa haver paternidade, uma declaração de vontade do pai da criança (perfilhação) ou uma decisão judicial proferida em ação de investigação (cfr. art. 1847.º do Código Civil) (cfr. supra n.º 32 das presentes alegações). 54.º A perfilhação é, assim, um «ato pessoal e livre» (cfr. art. 1849.º do Código Civil), que «pode ser feita a todo o tempo, antes ou depois do nascimento do filho ou depois da morte deste» (cfr. art. 1854.º do Código Civil). A perfilhação é, por outro lado, «irrevogável» (cfr. art. 1858.º do Código Civil e supra n.º 33 das presentes alegações). 55.º No entanto, nos termos do art. 1859.º, n. os 1 e 2 do Código Civil: “1. A perfilhação que não corresponda à verdade é impugnável em juízo mesmo depois da morte do per- filhado. 2. A ação pode ser intentada, a todo o tempo, pelo perfilhante, pelo perfilhado, ainda que haja consentido na perfilhação, por qualquer outra pessoa que tenha interesse moral ou patrimonial na sua procedência ou pelo Ministério Público.” Ora, supõe-se que o regime instituído pelo legislador, quanto à impugnação da perfilhação, resulta justamente do facto de se tratar de um ato pessoal e livre que deve, por outro lado, corresponder à determinação da verdade biológica. E é tal a importância desta conceção para o legislador, que este previu mesmo a possibilidade de ser o Ministé- rio Público a intentar a ação de impugnação da perfilhação (cfr. supra n.º 34 das presentes alegações). 56.º Não oferece dúvidas, por outro lado, como igualmente reconhecido pelo digno magistrado judicial recorrido, que é esta a situação dos autos, em que o Autor, por se ter comprovado a impossibilidade de ser o pai da menor B., veio impugnar a perfilhação por si anteriormente feita da mesma criança, uma vez que tal perfilhação deixou de fazer sentido (cfr. supra n.º 35 das presentes alegações). 57.º Não se vê, assim, como poderá a sentença recorrida concluir que «deve entender-se que «a impugnação da perfi- lhação fique condicionada pela não existência duma realidade familiar concreta e consolidada» (cfr fls. 162 dos autos). Por um lado, a lei não permite chegar a uma tal conclusão. Por outro, não estamos perante nenhuma situação de realidade familiar concreta e consolidada, desde logo por não ter chegado a haver casamento entre a mãe e o pretenso pai da menor e, depois por, desde 2010, a relação entre ambos se encontrar desfeita (cfr. supra n.º 36 das presentes alegações). 58.º Não se vê, por outro lado, como se pode falar (cfr. fls. 163 dos autos), em violação do princípio da igualdade em função da ascendência, quando, justamente, neste caso, se comprovou que a ascendência não existia entre o Autor e a criança que perfilhou. Nem, tão pouco, em proibição de não discriminação de filhos nascidos fora do casamento, quando não está em causa nenhuma designação discriminatória em relação a estes, mas a simples constatação legal, que se espelha em inúmeras disposições do Código Civil, de que há crianças nascidas na constância do matrimónio e fora dele, estabelecendo a lei regimes diferentes para ambas as situações. E, por último, muito menos se poderá falar em violação do direito constitucional à família, relativamente à situação dos autos, em que, desde 2010, a eventual relação familiar existente se desfez (cfr. supra n.º 37 das pre- sentes alegações).

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