TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
332 A questão que se coloca é pois a de saber se pode ser destruída a paternidade da 2.ª R que perdura sem discussão e com laços afetivos recíprocos durante 14 anos com fundamento na não correspondência da paternidade afetiva com a paternidade biológica. Se perspetivada a questão apenas à luz das normas legais em vigor nada obsta à pretensão deduzida em juízo pelo A: – ficou demonstrado que efetivamente não é ele o pai biológico da 2.ª R; – o A não era casado com a 1.ª R fundando-se a paternidade em perfilhação cuja impugnação não está sujeita a qualquer prazo de caducidade; – mesmo considerando aplicável o prazo de caducidade previsto legalmente para o afastamento da pater- nidade por presunção, ainda assim, não haviam sequer passado mais de 3 anos sobre a data em que teve conhecimento de factos que conduziriam à conclusão de que não era pai biológico da 2.ª R. E, no entanto, o A e a 2.ª R vêm-se reciprocamente como pai e filha sendo o A a única referência de paterni- dade que a 2.ª R (menor de idade) conhece, sendo certo que a mãe afirmou não dispor de elementos concretos que possam servir para a afirmação de uma outra paternidade biológica. Ora, como expressamente se referiu no Ac. da Relação de Coimbra de 29-5-2012, relator Barateiro Martins ( dgsi.pt ) no regime legal vigente «ter-se-á por certo ido longe demais na “sedução biologista”. Há casos em que o esclarecimento da verdade biológica não compensa os danos individuais e sociais que gera; ... Impõe-se [impor-se- -á] que a lei exprima, nesta matéria, um compromisso entre o respeito pela verdade biológica e o interesse do filho que se identifica com a manutenção do estatuto adquirido; efetivamente, além da verdade biológica, há a “verdade sociológica” – o facto de alguém viver no seio duma família e de ter interesse em “ficar onde está” – devendo encontrar-se o equilíbrio entre a verdade biológica e o profundo anseio de estabilidade dos direitos adquiridos, a garantia da paz jurídica e a defesa do interesse do filho» Nas palavras de Guilherme de Oliveira, ali citado, «(...) a garantia da necessária estabilidade em homenagem à segurança e paz jurídicas, o desejo de evitar a perturbação causada pela revelação tardia da verdade e de respeitar as situações adquiridas, e a supremacia dos interesses do filho na manutenção do estado são valores proeminentes da doutrina moderna que o nosso regime de impugnação, previsto no art. 1859.º do CC, despreza. No caso de se ter consolidado, ao cabo de alguns anos, uma família – o direito de impugnar deveria ser deixado incondicionalmente ao filho maior, num prazo seguinte à maioridade; o filho menor, a mãe, o perfilhante e aquele que se arrogasse a paternidade real teriam um direito condicionado, exercitável nos casos excecionais em que a estabilidade do vínculo constituísse uma exigência demasiada para o titular, uma violência bem maior do que o dano que a pro- cedência traria ao filho. Em suma, como ainda se refere no convocado Acórdão, deve entender-se que «a impugnação da perfilhação fique condicionada pela não existência duma realidade familiar concreta e consolidada. Ora, julgamos nós que a questão não se coloca apenas de lege ferenda (como adiantado no citado Ac.) mas, de outro modo, já no direito vigente pois que, atentos os atrás referido preceitos Constitucionais, apenas o explanado entendimento é conforme à Constituição da República, devendo ser afastadas, por inconstitucionalidade, as nor- mas que imponham a afirmação absoluta da verdade biológica na decorrência, aliás, da Jurisprudência do Tribunal Constitucional proferida a propósito da constitucionalidade da fixação legal de certo prazo para o exercício do direito à identidade pessoal – Acs TC n. os 523/09, 65/10, 401/11 e 247/12 (entre outros). Efetivamente O artigo 1859.º n.º 2 do CCivil ao prever que a impugnação da perfilhação pode ser feita a todo o tempo deve julgar-se inconstitucional por violação do princípio da igualdade – art. 13.º da CRP que garante que nin- guém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência – e da proibição de não discriminação de filhos nascidos fora do casamento – art. 36.º n.º 4 da CRP que prevê que os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objeto de qualquer discriminação e a lei ou as repartições oficiais não podem usar designações discriminatórias relativas à filiação – e
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