TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
331 acórdão n.º 308/18 No domínio do direito, essa realidade corresponde ao instituto da filiação. Acontece, porém, que se a maternidade é (quase sempre) certa, já a paternidade não tem a mesma certeza biológica. O vínculo jurídico da paternidade funda-se juridicamente, em primeira linha, na verificação de alguma das presunções de paternidade previstas nos artigos 1826.º – relativo a filhos nascidos ou concebidos na constância do matrimónio, presumindo-se nesse caso que o pai é o marido da mãe – e 1871.º – relativo a filhos de quem não é casado entre si. Para além da paternidade por presunção, o reconhecimento da paternidade de filho nascido ou concebido fora do casamento faz-se por perfilhação ou por decisão judicial em ação de investigação – cfr. artigo 1847.º C.C. Especificamente quanto à perfilhação esta traduz-se numa declaração pessoal, unilateral e incondicional que deve corresponder ao exercício de uma declaração de vontade livre e esclarecida correspondente à verdade bioló- gica cujo vínculo jurídico reconhece – art. 1849.º do CCivil. Pode fazer – se por mera declaração prestada perante funcionário do registo civil de que o menor é filho do declarante, por termo em juízo, por testamento ou através de escritura pública (art.1853.º do CC). A perfilhação pode, no entanto, ser desfeita mediante dois fundamentos e efeitos (arts. 1859.º e 1860.º do CCivil): – por impugnação quando não corresponder à verdade; – por anulação em virtude de erro ou coação. A «paternidade» não se restringe, porém, no nosso Direito, a uma conceção biologista assente apenas nos laços «de sangue». Efetivamente, são consagrados legalmente institutos de «paternidade alternativa» não assente em qualquer vínculo biológico, mas, de outro modo, numa vinculação (ou compromisso) afetivos normativamente reconhecidos, como seja, em primeira linha, a adoção. Nesta mesma matriz se funda a limitação (constitucional- mente consentida) de impugnação ou reconhecimento da paternidade para além de certo prazo. Deste modo, independentemente da filiação de base biológica a lei consagrou a filiação de base afetiva podendo ou não existir coincidência de vínculos – biológico ou afetivo – em que assenta o vínculo jurídico da filiação. Dito de outro modo, casos existem em que a filiação assenta exclusivamente nos laços biológicos sem qualquer ligação afetiva, outros em que assenta apenas em ligação afetiva sem suporte biológico e outros ainda em que aos laços biológicos correspondem laços afetivos. Todas estas dimensões da filiação (e da paternidade em particular) têm expressão Constitucional: A CRP (arts. 36.º e 68.º) reconhece, por um lado, o direito da família biológica traduzido no direito a não ser injustificadamente afastado da família biológica e o direito à identidade genética ou biológica (art. 36.º). Mas a mesma Lei fundamental reconhece igualmente o direito à família (não necessariamente biológica) – art. 67.º. Ambos os referidos direitos constitucionalmente consagrados têm expressão quanto aos limites da investigação e da impugnação da paternidade: Efetivamente, por um lado, a lei permite a investigação e impugnação da paternidade sem qualquer limite temporal (pelo visado) em busca da sua própria identidade genética ou biológica. Mas, por outro lado, restringe as possibilidades de investigação/impugnação da paternidade pelo pretenso pai fixando um prazo de caducidade ainda constitucionalmente consentido. No caso dos autos está precisamente em causa o conflito entre os referidos direitos Constitucionais. Vejamos: – ação foi proposta pelo pretenso pai perfilhante (não casado com a mãe da menor em causa nos autos); – foi proposta antes de decorridos 3 anos do conhecimento que o A teve de factos que levariam à conclusão de que não seria pai da 2.ª R; – a 2.ª R é ainda menor de idade; – a 2.ª R tem atualmente 17 anos (15 à data da entrada da ação em Juízo) e sempre viveu (até à presente ação) conhecendo como pai o aqui A (e inversamente o A como filha).
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