TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
31 acórdão n.º 420/18 especial, e para além das disposições gerais aplicáveis, as disposições respeitantes ao Município, enquanto categoria de autarquia local prevista na Constituição (artigo 236.º, n. os 1 e 2), e aos seus órgãos representa- tivos – assembleia municipal e câmara municipal (cfr. artigo 5.º, n.º 2, e artigos 23.º e seguintes do RJAL). Especificamente quanto às atribuições municipais em matéria de abastecimento de água às populações – para além da referência no RJAL às atribuições dos municípios (em articulação com as freguesias) nos domínios do ambiente e saneamento básico [artigo 23.º, n.º 2, alínea k) ] –, decorre do quadro normativo atualmente vigente que, não obstante não se tratar de uma atribuição exclusiva dos municípios, certo é que a responsabilidade pelo fornecimento de água aos consumidores finais («em baixa») se mostra, em grande parte, do domínio municipal. Tenha-se presente que a atividade de abastecimento público de água compreende a captação, o trata- mento, a elevação, o transporte, o armazenamento, a distribuição e a utilização da água. A complexidade e diversidade das tarefas associadas à atividade de abastecimento público de água é usualmente dissociada nos designados sistemas em alta, respeitantes às tarefas a montante da rede de distribuição, fazendo a ligação do meio hídrico ao sistema em baixa. Por sua vez, os sistemas em baixa integram as tarefas que permitem fornecer aos consumidores o serviço de abastecimento de água. Os sistemas em alta e em baixa podem ser integrados quando a ligação entre a captação dos recursos hídricos e o fornecimento ao consumidor é asse- gurada pelo mesmo sistema. Tais tarefas têm sido cometidas quer a sistemas municipais, quer a sistemas multimunicipais de abastecimento de água, tendo as grandes linhas de evolução da regulação dos sistemas municipais e multimunicipais de abastecimento de água (e de saneamento) sido já assinaladas no Acórdão n.º 707/17 (cfr., em especial, n. os 11.1 a 11.5 e 12.). E, da relação daquelas opções do legislador com o plano constitucional resulta para o mesmo Acórdão o seguinte: «17. A intervenção do Estado nos setores do abastecimento de água e do saneamento tem de ter em conta as eventuais competências municipais nessa matéria, fixadas na lei, de acordo com o disposto nos artigos 235.º, n.º 2, e 237.º, n.º 1, da Constituição. O princípio da autonomia local admite, seguramente, restrições, mas apenas sob o crivo do princípio da proporcionalidade e sempre com o limite de não se afetar o seu núcleo essencial. É incontestável que os municípios possuem competências em matéria de abastecimento de água e de sanea- mento, de acordo com o disposto no artigo 23.º, n.º 2, alínea k) , da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, que aprova o regime jurídico das autarquias locais (e já a possuíam, como vimos, ao abrigo da Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, e do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de março). Na verdade, até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 379/93 (aprovado na sequência do Decreto-Lei n.º 372/93, de 29 de outubro), que criou os primeiros sistemas multimunicipais, os setores em questão estavam, quase sem exceção, inteiramente integrados na esfera dos muni- cípios (cfr. 11.1., supra ). Não obstante, a atribuição aos municípios de competências em matéria de abastecimento e de saneamento é efetuada, ao abrigo do disposto no artigo 235.º, n.º 2, da Constituição, em função dos «interesses próprios das populações respetivas», isto é, de interesse meramente local. Deste modo, quando está em causa o interesse geral, de âmbito nacional, o Estado pode intervir nos setores em questão, desde que, repete-se, não restrinja excessivamente as competências municipais. A este nível, importa, desde logo, destacar o artigo 9.º, alínea d) , da Constituição, segundo o qual é uma tarefa fundamental do Estado «[p]romover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portu- gueses, bem como a efetivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais». Ao nível dos direitos económicos, sociais e culturais, para os quais esta disposição remete, são de referir, com importância neste domínio, o direito à saúde, previsto no artigo 64.º, n.º 1 [cfr., igualmente, a alínea b) do n.º 2], e o direito ao ambiente e qualidade de vida, previsto no artigo 66.º, n.º 1. A este propósito, é ainda de notar que, de acordo com o disposto na alínea e) do n.º 2 deste preceito, «[p]ara assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento
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