TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

301 acórdão n.º 294/18 Cumpre, pelo exposto, analisar se a norma do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, na parte em que determina que, até à aprovação da portaria prevista no n.º 1, são aplicáveis às medidas de incentivo relativas à interioridade as regras estabelecidas na Portaria n.º 170/2002, de 28 de feve- reiro, das quais resulta a exclusão da aplicação do benefício fiscal, previsto no artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, à atividade económica da agricultura, viola os parâmetros constitucionais identificados ou se, por outro motivo, se apresenta desconforme com a Lei Fundamental. 9. A Constituição da República Portuguesa consagra, em matéria fiscal, o princípio da legalidade, que se desdobra nos subprincípios da reserva de lei formal – traduzido na exigência de que a normação da matéria tributária deve constar de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei emitido ao abrigo de autorização legislativa daquele órgão [artigo 165.º, n.º 1, alínea i) ] – e reserva de lei em sentido material ou princípio da tipicidade, traduzido na obrigatoriedade de que a lei defina os elementos essenciais dos impostos, especifica- mente a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (artigo 103.º, n.º 2). O âmbito da reserva de lei formal é delimitado, materialmente, não apenas pelas matérias identificadas na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º, mas igualmente pelas contempladas no n.º 2 do artigo 103.º. A esse propósito escreveu-se no Acórdão n.º 127/04: «O princípio da legalidade tributária, que a Constituição de 1976 vem afirmando em todas as suas versões, consta hoje do seu art.º 103.º, n.º 2. Segundo este, «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes». O princípio tem duas dimensões jurídicas, ambas enfeudadas à sua matriz histórica de não tributação sem a autorização do Parlamento, enquanto representante do povo (princípio da auto-tributação): uma traduzida na regra constitucional de reserva de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei do Governo emitido a coberto de autorização do Parlamento a que tem de obedecer a criação dos impostos, constante actual- mente do art.º 165.º, n.º 1, alínea i) , da CRP; outra, consubstanciada na exigência de conformação, por parte da lei, dos elementos modeladores do tipo tributário, abrangendo, assim, a incidência objectiva e subjectiva, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. É esta segunda dimensão que densifica os fundamentos axiológicos da nossa Constituição Fiscal e que se mate- rializa nos princípios da universalidade, da igualdade tributária e da capacidade contributiva. Ora, a prossecução de um tal desiderato ético-político demanda que a função de definição dos elementos de cuja operacionalidade jurídica emerge a obrigação tributária esteja reservada à lei. Deste modo, o princípio da legalidade tributária, na sua acepção material ou substancial, postula a sujeição ao sub-princípio da tipicidade legal dos elementos de cujo concurso resulte a modelação dos tipos tributários ou dos impostos ou, dito de outro modo, dos elementos essenciais dos impostos, e que são, segundo os próprios termos adquiridos da ciência fiscal pela nossa Lei Fundamental, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.» Nos presentes autos, a questão fundamental que se coloca é, desde logo, a de saber se o Governo, através da norma do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, invadiu a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, restringindo o âmbito de abrangência de um benefício fiscal criado por este último órgão, a pretexto de apenas proceder à sua regulamentação, criando as condições normativas necessárias à sua boa execução. A resposta a tal questão passa, em primeiro lugar, pela aferição do carácter inovador de tal norma. Como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, uma norma emitida sem autorização parlamentar – o que abrange, em abstrato, as situações em que a lei habilitante simplesmente inexiste e os casos em que não abarca os aspetos regulados pela norma – apenas padece do vício de inconstitucionalidade orgânica, quando dispuser de forma inovadora sobre a matéria compreendida no âmbito da reserva relativa da Assembleia da República, não sofrendo, ao invés, de tal vício quando se limite a reproduzir substancialmente

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